11/02/2004 - 10:00
Se prevalecer a decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade, em 150 dias a compra da Garoto pela Nestlé, selada em fevereiro de 2002 por US$ 250 milhões, será desfeita. É um fato histórico na trajetória da autarquia ligada ao Ministério da Justiça que atua na defesa da concorrência. Um dos principais argumentos que sustentam a determinação é de que a fusão se configura uma concentração de mercado muito alta, com uma média de mais de 50% do total. O mais grave: as duas empresas teriam, por exemplo, 100% do mercado de cobertura líquida de chocolate, segundo um parecer elaborado pela Secretaria de Direito Econômico. Foi uma decisão dura e inusitada, que, disse o presidente da Nestlé, Ivan Zurita, coloca a subsidiária brasileira numa situação difícil diante da matriz. Pode também ser um alerta para investidores estrangeiros, de acordo com a opinião de analistas contrários à decisão.
Em nota oficial divulgada na quarta-feira 4, a Nestlé manifestou sua surpresa e perplexidade “com a posição radical da maioria do plenário do Cade”. Foram cinco votos contra um, este do presidente do Conselho, João Grandino Rodas, que defendeu a manutenção da operação com restrições, exatamente como aconteceu na fusão Brahma/Antarctica. A Nestlé vai entrar na Justiça contra a decisão e aí é que seus esforços podem emperrar diante do prazo mínimo de 150 dias para vender a operação Garoto. Se o processo persistir, o comprador não poderá ter mais de 20% do mercado. Informações que surgiram no mercado dão conta de que entre os potenciais compradores da Garoto estariam as americanas Mars e a Hershey.
Ex-presidente do Cade por dois mandatos, Gesner Oliveira, professor da Fundação Getúlio Vargas e sócio da empresa de consultoria Tendências, aplaudiu a decisão “como um avanço institucional em defesa da concorrência”. O advogado Francisco Todorov, especialista nessas questões, do escritório Trench, Rossi e Watanabe, do Rio de Janeiro, diz que a operação do Cade foi bem fundamentada e serve como exemplo. “Mas se está certa ou errada eu não tenho condições de avaliar porque as informações estão com o Cade”, diz. Ele acompanhou a reunião em que o Conselho tomou a decisão.
A Nestlé tem 25 fábricas no Brasil e 15 mil funcionários; a Garoto tem uma fábrica em Vila Velha, no Espírito Santo, e três mil funcionários. Era uma empresa-modelo até que surgiram as desavenças familiares que acabaram na venda. Na Suíça, onde está a sede da empresa, a Nestlé não sofreu nenhum impacto. Suas ações se mantiveram em alta nas negociações na Bolsa de Valores.