Eles começam a ser mais notados nas ante-salas dos consultórios médicos, nas reuniões de escola e nos parquinhos. Invadiram até o horário nobre da tevê. Em Celebridade, o ator Alexandre Borges, que na trama vive o jornalista Cristiano, interpreta um papel cada vez mais assumido pelos homens brasileiros: o de pai sozinho. Em 1991, o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que 503.986 deles chefiavam famílias sem o auxílio de esposas ou companheiras. Em 2000, 762.871 estavam à frente da criação dos filhos e das obrigações da casa. Ainda é uma marca modesta, se comparada ao número de mulheres que assumem a dupla função – 5.459.992 –, mas acusa um surpreendente acréscimo de mais de 50%. De qualquer forma, os números mostram que cuidar dos filhos não é mais um enigma indecifrável para os homens.

Na literatura, o tema também ganha importância com o relato
dos que se arriscaram a encarar o desafio. Eleito o livro do ano pela crítica inglesa em 2001, Pai e filho (Sextante, R$ 26), de Tony Parsons, conta a história de um jovem pai que se vê forçado a criar sozinho o filho de cinco anos e Pai místico, místico pai (Rocco, R$ 26,50), do americano David Spangler, fala sobre a força do diálogo. O jornalista e professor
de literatura brasileira Juva Batella resolveu brincar com os assombros, acertos e desacertos de sua história em Confissões de um pai
doméstico
(Planeta, R$ 27).

São muitos os motivos apontados para essa mudança de comportamento. O aumento de divórcios e separações é o mais visível. Atualmente, um número maior de mulheres parte para outra relação, deixando os filhos no colo do ex-marido. Há também os viúvos e os “novos pais”, que lutam e até vão à Justiça pelo direito de cuidar da prole. O bancário Roberto Azzari, 43 anos, não precisou recorrer a advogados e tribunais. No entanto, ao se separar da comentarista esportiva e ex-VJ da MTV Sonia Francine, a Soninha, levou consigo as duas filhas do casal, Raquel e Sarah, à época com seis e quatro anos, e hoje com 19 e 17. Azzari temia que as meninas não recebessem a atenção necessária da mãe, que estava muito envolvida com projetos de teatro. “Queria que elas tivessem uma vida regrada, normal. Mas a decisão de elas morarem comigo foi tomada em conjunto, sem brigas”, diz. O início foi complicado. O que ajudou foi o fato de ele sempre ter sido um pai participativo, do tipo que fazia mamadeira e trocava fraldas. Ele não ficou livre, porém, de situações inusitadas. “Na reunião da escola, eu era o único homem. Arrumar namorada, então, era difícil. As meninas estavam acima de tudo e, muitas vezes, tinha que desmarcar os encontros porque uma delas estava com febre.” Azzari vive harmoniosamente com as garotas e procura conversar com elas sobre temas delicados, como sexo e drogas. “No meu tempo era difícil falar sobre esses assuntos. E às vezes ainda é. Mas sinto orgulho desse relacionamento”, diz ele.

Levar e buscar na balada, dar bronca quando a nota abaixa e procurar saber por onde e com quem os rebentos andam, entre outras preocupações, talvez nem sejam os maiores obstáculos nesse caminho. A maior barreira ainda pode ser a cultural. “Apesar de ter evoluído, o homem não foi preparado para assumir trabalho, cozinha, filhos, escola, roupas. Muitos correm para encontrar uma parceira para ajudá-los”, diz Tai Castilho, terapeuta do Instituto de Terapia Familiar de São Paulo. Não foi o que fez o empresário Antônio Carlos Di Filippi, 50 anos, que nunca hesitou em interromper uma reunião de trabalho para atender a um telefonema de um dos seus dois filhos, que, depois de sua separação, foram morar com ele. Na época, a filha mais velha, Paula, tinha dez anos e o filho, Bruno, oito. Foi essa relação que permitiu que a nova fase na vida dos três fosse um sucesso. “Quando vieram morar comigo, não tive medo, mas senti o peso da responsabilidade. Queria fazer o melhor.”

A preservação dos papéis da mãe e do pai é muito importante, mas a mistura deles não é tão desastrosa quanto pode parecer, segundo atesta Lino de Macedo, professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). “Esses papéis são complementares. O desafio é não anular ou reduzir um deles. Na nossa sociedade, geralmente, o pai é quem impõe as regras, normas. Já a mãe é quem cuida e estabelece o canal de diálogo. No entanto, é perfeitamente possível um homem assumir os dois papéis.” Ser pai e mãe ao mesmo tempo não é novidade para o motorista paulista Celso Fernandes de Lima, 38 anos. Em 1994, foi dele a iniciativa de pedir à ex-mulher, com quem viveu por 13 anos, para ficar com as crianças, Daiana e David, ela com sete anos e ele com apenas seis meses. “Visitava-os sempre, mas ainda assim sentia muita saudade”, lembra Lima. O malabarismo para cuidar deles foi grande. Mas ele deu um jeito. “Com a ajuda do pediatra, fiz uma lista das tarefas e colei na geladeira e na cabeceira da cama.” Há quatro anos, Lima se casou novamente. Agora, além dos três filhos, legítimos, ainda cria outros três da atual esposa, Thais Amaral de Lima, 27 anos. A revolução sexual iniciada nos anos 60 continua produzindo pequenos milagres.