A capa do livro Invenção da solidão, de Paul Auster, lançado pela Companhia das Letras, traz a foto de uma lata de sardinha aberta e vazia. A idéia de seu autor, João Baptista da Costa Aguiar, era transmitir uma idéia de vazio, já que, fechada, a lata lembra aperto, compressão ou um ônibus super lotado. Mas qual não foi sua surpresa ao ouvir de um amigo que a criação era uma homenagem aos solitários. É assim, como minicartazes, que as capas de livros anunciam seu conteúdo e ajudam a vendê-los. Na França, por exemplo, o aspecto formal e despojado delas vem da imposição dos editores. Eles acreditam que a pessoa já entra numa livraria sabendo o que quer. Posição contrária dos americanos, para quem tudo é uma questão de marketing. Seguindo esta vertente, as principais editoras brasileiras vêm constantemente valorizando suas capas ao contratar um respeitável time de artistas gráficos que estão fazendo história no meio literário do País.

Vários deles falam como “vestem” seus livros. Também determinam o momento em que as editoras começaram a desviar seu foco e a solidificar o livro como um bom produto embalado em trajes de gala. Sem dúvida, a pioneira foi a Companhia das Letras, de Luiz Schwarcz, que sedimentou vários capistas no mercado. Num outro momento, quem assumiu o comando das melhores capas foi a Cosac & Naify. Hoje, os profissionais se dividem entre as duas e as muitas outras que decidiram reformular a estética de seus livros.

O nome do momento – os próprios colegas apontam – é o paulistano Raul Loureiro, 38 anos. Freelancer como a maioria de seus pares, Loureiro fez mestrado em desenho gráfico em Boston e trabalhou na área de publicações e eventos do Museu de Arte Moderna (MoMa) de Nova York, entre 1994 e 1998. Assim que voltou ao Brasil foi chamado por Paulo Herkenhoff, então curador da Bienal de São Paulo, para projetar o catálogo da exibição. Na Companhia das Letras descobriu que queria fazer livros, mas não só a capa, e sim o miolo, o projeto todo. Acabou se tornando uma espécie de estrela da Cosac & Naify, que havia deslumbrado a todos com Barroco de lírios, livro do artista plástico Tunga, criado pela assessora Selma Caetano, pelo produtor Vanderlei Lopes e pelo próprio Charles Cosac. De repente, a ousadia estava no ar e Loureiro pôde realizar trabalhos como o elogiado Farnese de Andrade e Kazuo Ohno, premiado na Bienal do Livro de 2003, um livro costurado à mão, confeccionado em papel de curauá – uma planta da família das bromélias – e envelopado no formato de origami.

Na Companhia das Letras, Loureiro teve contato com o dream team de Schwarcz formado por Costa Aguiar, Moema Cavalcanti, Ettore Bottini, Victor Burton e Hélio de Almeida, nomes obrigatórios no setor. Pedagoga de formação, ex-atriz e costureira, Moema, uma pernambucana de 61 anos, autora de mais de 1.200 capas, explica que capistas não trabalham diante de telas em branco. Na verdade, existe todo um comprometimento com o editor, com o dono da editora, com o autor, com a produção e com o lettering – palavra que inclui tanto o formato das letras utilizadas no título quanto o texto adicional que deverá aparecer na capa. Assim, procuram ser sintéticos. Nos primórdios do modernismo, foi Monteiro Lobato no papel de editor quem exterminou o costume de trazer ilustrações do texto para o exterior do livro. Hoje, fotos abstratas, produções cheias de grafismos tomam conta das melhores capas.

Costa Aguiar, paulistano de 55 anos, está entre estes revolucionários. Ele é autor não só da identidade visual como do próprio título Companhia das. “Schwarcz só entrou com o Letras”, brinca. Para ele, a criação de uma capa parte geralmente de um telefonema do editor ou de um e-mail trazendo uma sinopse da história, dos textos da orelha. De acordo com o artista gráfico, o segredo é ser generalista, ter um repertório, poder trabalhar com tempo e elementos mínimos. Ler mesmo, só policiais. “Para não colocar o mordomo na capa”, justifica. Hélio de Almeida, paulistano de 57 anos, criador do logotipo
de ISTOÉ, afirma que desfrutar da intimidade do autor ajuda muito. Almeida conversou muito com Rubem Fonseca, que não fala diretamente, mas sinaliza. O escritor gosta de abstrações, exatamente como
Almeida imaginou e criou para o livro Vastas emoções e pensamentos imperfeitos. Fonseca, contudo, acabou se emocionando com a foto utilizada em O cobrador. Ambas as edições saíram pela Companhia
das Letras, no final dos anos 1980.

Outro que desfrutou da intimidado escritor – desta vez com Carlos Heitor Cony – foi o carioca Victor Burton, 47 anos, autor de mais de duas mil capas e 130 projetos de livros de luxo. Neto de bibliófilo e filho de Michel Burton, diretor de arte da antiga revista Senhor, Burton aprendeu seu ofício na editora italiana Franco Maria Ricci, de Milão, onde morava com a família. Responsável pelas capas do Novo Aurélio – século XXI (antes pertencente à Nova Fronteira) e do Dicionário Houaiss da língua portuguesa (Editora Objetiva), Burton, porém, já cometeu alguns deslizes. Lembra que ao criar a capa de O nome da rosa, de Umberto Eco, que havia lido no original e se apaixonado, fez um trabalho detestável. “Até na segunda edição eu continuei errando.”

Não gostar do produto final é um risco de todos, pois o processo é mais amplo que se imagina. Mas existem aqueles que definem a capa ideal desde o princípio. Ettore Bottini, carioca de 55 anos, acredita que a melhor é a que traz o clima adequado à linguagem do público que se quer atingir. “E já que o público é abstrato, como disse Jorge Luis Borges, agrada-se ao editor”, enfatiza. Ao buscar um resultado que beire a arte, cada um percorre
seu caminho de espinhos. Ângelo Venosa, 49 anos, paulistano radicado no Rio de Janeiro que assume a duplicidade de artista gráfico e artista plástico há mais de duas décadas, conta que as quase 100 capas por
ele criadas foram solucionadas da mesma forma que seus outros
trabalhos artísticos. Venosa só fica mais atrapalhado quando gosta
dos originais que lê. “As capas têm de dizer o mínimo possível.” Há, no entanto, situações ironicamente contrárias. Ele cita o caso de uma
amiga da família que deu um grito na livraria diante da capa de Artista
do corpo
, de Dom DeLillo. A mulher reconheceu a foto do pé da mulher
do artista. Neste caso, é excesso de informação.

São justamente fotos de pés que estão tirando o sono de Paula Astiz, paulistana de 32 anos. A ex-colaboradora de Costa Aguiar, com

mestrado em desenho gráfico no Royal College of Arts de Londres, segreda que ficou desentendida ao ler

Prova contrária

(Editora Objetiva), de Fernando Bonassi. Mas depois de reler e entender a história, a

imagem foi surgindo aos poucos, com pés se confrontando. Para ela,

a capa ideal tem que dar indícios, sem desvendar. Tem que atrair e ser enigmática. Talvez aí resida o segredo