10/07/2002 - 10:00
Passados vinte anos do descobrimento do vírus HIV, o responsável pela Aids, a medicina já consegue oferecer aos indivíduos infectados não só uma sobrevida muito maior do que a registrada no início da epidemia. A ciência está tornando realidade a essas pessoas o sonho de ter um filho saudável. É claro que ela não garante 100% de certeza, mas até agora não existe na história um caso sequer de criança que, gerada a partir dos procedimentos desenvolvidos, tenha nascido soropositiva.
O caminho para um bebê livre do HIV começa na necessidade de a mãe ou o pai soropositivos estarem com a carga de vírus indetectável no sangue. O feito pode ser obtido com a realização correta do tratamento anti-Aids, baseado no coquetel de drogas contra a doença. Se o paciente ainda não tiver atingido essa condição, os médicos aguardam até que a enfermidade esteja sob controle. As razões para esse cuidado são muito fortes. “A mãe pode contaminar o filho de três maneiras: durante a gestação, pelo cordão umbilical; no momento do parto, por causa da grande quantidade de sangue; e por meio do leite, na amamentação”, explica o infectologista Caio Rosental, conselheiro do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CRM/SP). É por isso que a carga viral deve ser a menor possível. “Se a mãe estiver com a doença controlada, a chance de contágio é de apenas 1%. Caso contrário, o risco aumenta. Quanto mais vírus circulando no sangue, maior a possibilidade de passar a doença para o filho”, completa Grace Suleiman, infectologista do Hospital Emilio Ribas, de São Paulo. Nos homens, essa aritmética é a mesma. Afinal, espermatozóides e também bactérias presentes no sêmen carregam o vírus. E, para começar um tratamento cujo objetivo é o de ter um filho não contaminado, o melhor é que a quantidade do inimigo seja mínima.
Quando o infectado é o homem, é necessário recorrer a um método chamado de lavagem de esperma. A técnica consiste na separação dos espermatozóides que não estão contaminados. Isso é possível porque hoje já se sabe que aqueles com aspecto mais saudável estão livres do vírus. Identificados, esses gametas podem ser inseminados (colocados diretamente no útero) ou usados na fertilização in vitro, método no qual óvulo e espermatozóide são unidos em laboratório. Nos casos em que a mulher está infectada, é feita uma inseminação (o procedimento é indicado para evitar que, numa relação sem camisinha, ela possa contaminar seu parceiro). Depois, o intuito é manter a doença sob controle. Durante a gestação, a futura mãe deve continuar o tratamento contra o HIV. Para evitar a transmissão na hora do parto, ela recebe injeções de AZT durante todo o trabalho. Após o nascimento da criança, não pode amamentá-la.
Controle – A clínica de fertilização Huntington, em São Paulo, realiza esse procedimento há seis anos, e, para dar mais segurança a seus clientes, faz a dosagem de HIV nos espermatozóides selecionados. “Dessa forma, temos certeza de que nenhum esperma contaminado será usado”, explica Eduardo Motta, especialista em reprodução assistida e sócio da clínica. Desde que começou a oferecer esse tratamento, Motta garante que só teve sucesso. Nenhum bebê nasceu soropositivo. “Temos até casos de pais querendo um segundo filho”, conta.
Na verdade, com a perspectiva de viverem mais e melhor, os indivíduos infectados de fato querem planejar o futuro como qualquer pessoa. E nos planos estão, é claro, os filhos. Por isso, muitas clínicas estão recebendo esses casais. Mas até hoje alguns médicos são contra o oferecimento desses métodos a pessoas soropositivas sob a alegação de que a doença ainda não tem cura e o risco de contaminação dos bebês, embora baixíssimo, existe. A polêmica foi tanta que o CRM/SP teve de aprovar uma resolução específica para o tema. A recomendação esclarece que dada a possibilidade de reduzir significativamente a transmissão do vírus quando os pais se submetem aos procedimentos corretos, os médicos devem respeitar a autonomia do casal, esclarecer os possíveis riscos, informar sobre as opções de concepção e alertar sobre o grande risco da concepção natural.
Para os médicos que se vêem frente a esse novo desafio nada mais natural do que o receio. Paulo Olmos, ginecologista e especialista em reprodução humana de São Paulo, por exemplo, conta que na primeira vez que recebeu um casal no qual o homem era HIV positivo não realizou o procedimento enquanto não falou com o infectologista responsável. Hoje ele já arrisca até uma comparação e um elogio a esses casais. “São pessoas calejadas, acostumadas a enfrentar o sofrimento de tratamentos médicos. Por isso, têm mais força para superar as dificuldades”, diz.
No entanto, poucos ainda têm acesso às técnicas de reprodução assistida, até porque elas custam caro para a maioria da população
(R$ 12 mil, em média, a fertilização in vitro com a lavagem de esperma, e cerca de R$ 5 mil a inseminação artificial). Há ainda a polêmica sobre as condições de vida que os filhos dessas pessoas podem ter. Uma pesquisa escocesa com filhos de pais HIV positivos, realizada pela Agência Nacional de Crianças em conjunto com a Universidade de Edimburgo, revela que esses pequenos têm dificuldade de lidar com o assunto. Por isso, a recomendação é dar atenção dobrada a eles.