23/10/2002 - 10:00
Empurrado pela onda Lula que varreu o País nas semanas que antecederam o primeiro turno das eleições, o petista José Airton conseguiu se credenciar para disputar o governo cearense no próximo dia 27, contra o senador tucano Lúcio Alcântara, que somou 49,8% dos votos válidos. Nesta reta final, porém, nada indica que o efeito Lula possa continuar a alavancar a candidatura de Airton. No Ceará, o que vem pegando no eleitorado é a chapa Lulu (Lula para presidente e Lúcio Alcântara para governador), idealizada por Ciro Gomes, o primeiro neocompanheiro de Lula após a contagem dos votos de 6 de outubro. E, em bora José Airton esteja cada vez mais tentando amarrar sua campanha à candidatura de Lula, até o final da semana passada não havia a previsão de o presidenciável petista visitar o Ceará nos próximos dias. Se não bastassem os problemas de natureza política, José Airton tem outros obstáculos bem mais cabeludos para superar. Desde a última semana, ele passou a ser alvo de investigações do Ministério Público por causa de acusações de falcatruas com o dinheiro público no período em que foi prefeito de Icapuí, no interior do Estado. As denúncias foram formuladas inicialmente por Eduardo Rebouças, vereador do PPS em Icapuí, que acusa Airton de ter recebido uma casa de presente da KVA Engenharia, empresa especializada em engenharia elétrica que realizou a maioria das obras de eletrificação na cidade de Icapuí nas duas vezes em que José Airton foi prefeito.
Suítes e piscina – A casa em questão tem 528 metros quadrados, quatro dormitórios, sendo duas suítes, e piscina. Está localizada no número 760 da rua Ávila Goulart, no Papicu, bairro nobre de Fortaleza. E é esse o atual endereço do candidato petista. As relações de Airton com a KVA são antigas. Antes de entrar para a vida pública, foi funcionário da empresa. Aliás, quando esteve fora da folha de pagamento do poder público, o petista só teve a carteira assinada pela KVA. Nas entressafras de mandato, era a essa empresa que ele recorria para ter salário. “É curioso isso: quando estava fora do governo, ele recebia da empresa e quando virava prefeito era essa mesma empresa que abocanhava a maioria das obras na cidade, muitas delas sem licitação pública”, dispara o vereador Rebouças. Até junho passado, a casa do bairro de Papicu servia como endereço de José Gonçalves Júnior, o dono da KVA. Era para lá que eram encaminhadas as correspondências destinadas ao empreiteiro. Também estavam em nome dele as contas de água e de energia elétrica. Somente de junho para cá, já durante a campanha eleitoral, é que José Airton resolveu assumir a propriedade do imóvel e oficializar a documentação. O Ministério Público já constatou, porém, que na declaração de bens redigida por José Airton em 4 de julho deste ano não consta a casa de duas suítes e piscina. Segundo o documento registrado no oitavo tabelião e protocolado no Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, o patrimônio de Airton se resume a três terrenos e uma casa de 143 metros quadrados em Icapuí e uma Toyota Hilux modelo 2001. Segundo o Ministério Público, a ausência da casa do bairro nobre de Fortaleza na declaração de bens do candidato já caracteriza crime de sonegação fiscal. A investigação em curso, porém, vai mais longe. O promotor Antônio Roberto Figueiredo Serravale quer conhecer detalhes das relações entre a KVA e a Prefeitura de Capuí nos períodos em que a cidade foi administrada por José Airton, entre 1986 e 1988 e entre 1993 e 1996.
“Quanto mais se investiga essa história, mais lama aparece debaixo do tapete. Acredito que nem mesmo o PT saiba qual é a verdadeira face do seu candidato”, diz Rebouças. O vereador chega a fazer um desafio a Airton. Ele diz estar estudando todos os contratos feitos entre a Prefeitura de Icapuí e sugere que o candidato petista abra seu sigilo bancário e fiscal. “Dessa forma, ele poderia provar que é inocente e até facilitar a tarefa do Ministério Público”, ironiza. A denúncia de que o ex-prefeito teria recebido uma casa de presente de uma empreiteira favorecida por sua gestão começou a surgir ainda no primeiro turno. Como todas as pesquisas apontavam que Lúcio Alcântara poderia vencer a eleição ainda no primeiro turno, o fato acabou não sendo muito explorado politicamente. Mesmo assim, Airton teve a oportunidade de se defender, até mesmo com a divulgação de uma carta aberta à população veiculada nos jornais do Ceará. A novidade é que as respostas dadas por ele acabaram complicando ainda mais a situação e despertando o Ministério Público. Na quinta-feira 10, o promotor Serravalle encaminhou ofício ao candidato, dando-lhe dez dias para apresentar a documentação que comprovaria suas explicações.
Diversionismo – José Airton nega que tenha recebido qualquer presente da KVA e também que a empresa de seus antigos patrões tenha recebido tratamento privilegiado nos períodos em que foi prefeito. Ele alegou que comprou a casa da empreiteira Costa Lima Projetos e Construções Ltda. Segundo o candidato, a transação foi feita por intermédio de Francisco Moacir Pinto Filho, diretor da Costa Leite, e o dinheiro usado para a transação veio de créditos que ele tinha junto ao dono da KVA, embora nunca tenha declarado ser credor em suas declarações de Imposto de Renda. “É preciso deixar claro que a Costa Lima jamais realizou obras em Icapuí”, disse Airton no horário eleitoral. De acordo com o vereador Rebouças, tudo não passou de uma tentativa de confundir a cabeça do eleitor, pois em nenhum momento a denúncia menciona o nome da empreiteira Costa Leite. Na última semana, porém, novos documentos surgiram e agora complicam ainda mais a situação do candidato petista.
Documentos pertencentes a um processo judicial que tramita na 7ª Vara do Fórum de Fortaleza comprometem por inteiro a versão contada por José Airton. Segundo a papelada, toda registrada em cartórios do Ceará, é impossível que o candidato tenha comprado a casa do bairro do Papicu da empreiteira Costa Leite. O motivo para isso é bastante simples. As escrituras comprovam que, em 12 de outubro de 1990, a Costa Leite vendeu a casa para João Gonçalves Júnior, o dono da KVA. A transação foi realizada em 25 parcelas. Na primeira, João Gonçalvez pagou de uma só vez 30% do valor do imóvel e o saldo acabou sendo dividido em 24 prestações. As sete primeiras foram pagas normalmente, mas na oitava, o dono da KVA atrasou e chegou a ter um título protestado pela empreiteira. Resolvido o impasse, o negócio acabou sendo concluído. É essa documentação que levou o Ministério Público a abrir o inquérito contra José Airton. Alguma coisa está muito mal contada. Afinal, como é que o candidato pode, em junho deste ano, ter comprado um imóvel da empreiteira Costa Leite se há mais de dez anos a mesma empreiteira havia vendido o mesmo imóvel para outra pessoa? Segundo o Ministério Público, duas coisas podem ter ocorrido. Ou o candidato foi enganado e comprou uma casa de quem não era o legítimo proprietário, ou há algum coelho nesse mato. É por causa disso que o promotor Serravalle notificou o candidato para que apresente os documentos que comprovem sua versão. “É claro que a denúncia tem fortes indícios de veracidade e não se trata apenas de peça eleitoreira”, explica o promotor. “Por isso, essa história precisa ser investigada a fundo.”