No cinema americano, cego e cachorro caminhando lado a lado é cena comum.
Nas ruas do Brasil, entretanto, é coisa rara. Por aqui, segundo fontes especializadas, apenas 16 pessoas dispõem de um fiel
amigo que os acompanhe em qualquer
lugar. Alguns obstáculos impedem esse sonho: a falta de cães adestrados, o alto preço para a importação de um – mais de
R$ 10 mil – e a ausência de legislação que garanta aos deficientes visuais o direito de transitar livremente com os animais.
Mas ao menos para uma parte do problema já se vislumbra solução. Em dois meses, o canil Integra, ligado ao Instituto Integra, uma ONG de Brasília, entregará a quatro cegos da cidade os primeiros cães especialmente treinados para atuar como guias. Todos são da raça labrador.

Mais de 40 pessoas já se inscreveram para receber um cão-guia, que será emprestado pelo canil (os animais não são vendidos). Um dos candidatos é Alexo Silva, 47 anos. Ter nascido cego não o impediu de ser independente. Aos 28 anos, deixou Casa Nova, no sertão baiano, e partiu sozinho para Brasília. Hoje, trabalha como laboratorista e dirige a Associação Brasiliense dos Deficientes Visuais. Mas Alexo quer mais. Acredita que a companhia de um cachordo homem: “A companhia do
cão-guia aumenta a auto-estima.” É um argumento compartilhado por outros deficientes, como o empresário Luiz Carvalho, de São Paulo, que desfruta da companhia de cães-guias há 28 anos. “O fato de a pessoa se sentir independente é tão fascinante que ela se torna mais serena e equilibrada”, diz.

O primeiro treinamento de cães-guias feito no País sinaliza que os deficientes visuais podem ter mais autonomia no futuro. A Sociedade Brasileira de Oftalmologia estima que existam 1,2 milhão de pessoas com nível de visão abaixo de 5%, tecnicamente cegas. A esperança do administrador do canil, Nelson Boiteaux, que só tem 20% de visão, é
que o sucesso dessa experiência estimule instituições públicas e privadas a colaborar com o projeto, ampliando o número de favorecidos. O Corpo de Bombeiros do Distrito Federal e a Universidade de Brasília já são parceiros do instituto.

O treinamento dos cães é um trabalho de longa duração. Por dez meses os filhotes ficam com uma família hospedeira, que tem a função de socializar o animal, fazendo-o ficar à vontade com outras pessoas e em locais públicos. Após esse período, eles voltam ao canil e recebem adestramento por seis meses para que possam reconhecer lugares, obstáculos e atender a comandos. Só após essa fase tem início a relação com o cego. Em um mês, o deficiente vai ao canil diariamente para a adaptação mútua. Só quando os dois estão entrosados, passam a viver juntos. Dessa forma, as chances de a relação ser duradoura são grandes. Ainda mais quando há aconselhamento. O treinador costuma fazer visitas mensais à dupla.