Basta apenas um toque do telefone para ficar irritado. As atitudes do colega da mesa ao lado incomodam tanto que sua vontade é fazê-lo desaparecer do planeta, nem que seja apenas temporariamente. Isso sem contar o mau humor só em pensar nas dezenas de e-mails que precisam ser lidos, no computador que não funciona na velocidade necessária, na cobrança que o chefe certamente irá fazer. Se você sente tudo isso quando trabalha, não tenha dúvida: você já está estressado no trabalho ou muito perto de ficar. Se existe um consolo, saiba que seu sofrimento não é isolado. O stress atinge desde motoristas de ônibus até executivos, homens e mulheres, e está se tornando cada vez mais comum. Um estudo feito pela psicóloga Ana Maria Rossi, presidente da Internacional Management Stress Association no Brasil (Isma-Br), com 556 profissionais liberais de nível gerencial, concluído no ano passado, mostrou que nada menos que 70% dos entrevistados se queixavam do problema. E a epidemia é mundial. Uma pesquisa na Inglaterra revelou que, em 2001, houve 12 vezes mais registros de casos de stress associados ao trabalho naquele país do que os verificados no ano anterior.

Dependendo da intensidade, o stress prejudica a saúde física e emocional. Alguns dos danos orgânicos mais comuns são dores de cabeça, de estômago e insônia. Mas o problema figura entre os fatores de risco para doenças mais graves, como as cardíacas. Emocionalmente, ele também tem efeitos assustadores. A vítima torna-se mais irritada, tem sua capacidade de concentração abalada e pode sofrer lapsos de memória. Esses sintomas muitas vezes obrigam o funcionário a recorrer a saídas perigosas. A pesquisa da psicóloga gaúcha revelou, por exemplo, aumento no consumo de álcool, drogas e automedicação com ansiolíticos e antidepressivos para suportar melhor as pressões do trabalho. Outro estudo, feito com base nos resultados de exames de 20 mil executivos que passaram pela clínica Med-Rio Check-up nos últimos 11 anos, revelou que 80% deles têm uma alimentação desequilibrada, 65% levam vida sedentária e 25% tinham colesterol acima dos limites. “O stress contribui para o surgimento de todos esses problemas”, diz o médico Gilberto Uruhay, diretor da clínica. Já existem, inclusive, números sobre o
impacto dos problemas de saúde insuflados pelo stress. Nos Estados Unidos, calcula-se que o gasto com absenteísmo, trocas de função, redução de produtividade e despesas médicas e legais com funcionários que processam as empresas por terem ficado doentes chegam a
US$ 300 bilhões de dólares por ano.

Na verdade, historicamente o trabalho sempre foi uma fonte de pressão na vida do indivíduo. Mas nunca como hoje. Jamais os funcionários se sentiram tão estressados como agora. E há várias razões que explicam essa situação. A investigação realizada por Ana Maria Rossi, por exemplo, também identificou os fatores do cotidiano do trabalho mais associados ao stress. A pesquisa revelou que a dificuldade de lidar com as consequências da globalização da economia, como a rapidez das mudanças tecnológicas e a tendência de fusão das empresas, encabeça a lista do que mais estressa os trabalhadores. “Cerca de 70% dos entrevistados ficam apreensivos com a dificuldade de manejar computadores”, explica Ana Maria. O advogado paulista Carlos Motta que o diga. “Fico irritado toda vez que preciso abrir o computador para ler dezenas de e-mails, muitos sem a menor importância”, diz Motta. Outro problema sério é o medo de ser demitido do emprego ou substituído pelas novas tecnologias e não conseguir recolocação. Por fim, há o sofrimento das jornadas de trabalho mais extensas.

Sobrecarga – Há realmente mais trabalho a ser feito por menos gente e em menos tempo. A comerciante Simone Maturana, 23 anos, de São Paulo, é uma vítima dessa equação mal resolvida. Ela e o marido, Nilton, são proprietários de uma padaria na capital paulista. Desde o ano passado, quando cortaram da folha de pagamento um gerente e um caixa, a jornada de trabalho triplicou. “Passei a trabalhar das sete da manhã às 11 da noite”, conta Simone. Ela já manifesta sintomas de stress, como acordar cansada, ter queda de cabelos e impaciência. Há também o lado emocional. Simone se preocupa com o pouco tempo disponível para a filha, Caroline, quatro anos, que só tem a exclusividade da mãe aos domingos. “Ainda não achei uma forma de melhorar
minha qualidade de vida”, diz a microempresária. O cotidiano de Simone e Nilton pode ser transposto para as empresas. Trabalha-se demais para subir na carreira ou manter o cargo. Como se não bastasse, as relações pessoais dentro das companhias também não vão bem. Por medo de perder o lugar para o colega da mesa da frente, cansaço ou paciência
no limite, muita gente acaba sendo mal-educada, tornando o dia-a-dia ainda mais insuportável.

Porém, justamente por o problema ter atingido níveis tão preocupantes, o que antes era visto como uma queixa sem maiores consequências ganha cada vez mais importância no mundo dos negócios. Só para se ter uma idéia de como o stress entre os trabalhadores passou a ser relevante, nos dias 24 e 25 de julho, especialistas de várias partes do mundo estarão reunidos em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, para participar de um encontro internacional promovido pela Isma-BR sobre o assunto.

Outra prova da importância cada vez maior que se dá ao stress é que muitas empresas estão criando alternativas para modificar essa realidade. “As companhias estão mais conscientes de que as faltas, a queda no desempenho, a rotatividade, a irritabilidade e a dificuldade de concentração, entre outros problemas associados ao stress, afetam diretamente os seus ganhos”, assegura o consultor Ricardo De Marchi, médico que há 12 anos criou a CPH, empresa pioneira no desenvolvimento de programas de qualidade de vida para as organizações.
Mais uma razão para a maior preocupação com a qualidade de vida dos funcionários é a própria mudança no perfil dos executivos. Vale mais no mercado o profissional talentoso, competitivo e bem preparado do ponto de vista emocional e físico para lidar com as pressões. “Começou-se a perceber que o indivíduo saudável traz ganhos para a empresa”, resume De Marchi.

As iniciativas variam desde palestras para aumentar a motivação até programas de longa duração. A paulistana Sandra Camargo, 40 anos, por exemplo, é proprietária de uma companhia de administração de restaurantes industriais, a Boa Cozinha. Depois de notar o grau de desgaste no trabalho, resolveu fazer algo para acabar com a situação. “Tanto eu como as pessoas que trabalham comigo estávamos precisando de mais vitalidade”, diz. Para resolver o problema, há três meses ela contratou a fisioterapeuta Cláudia Jardim, 36 anos. “Dou uma aula por semana com dança, alongamento, correção da postura e meditação”, descreve Cláudia. Para a encarregada Solange Otaguro, 32 anos, essas sessões produzem um efeito tranquilizador. “As minhas dores nas costas diminuíram e sinto mais harmonia no ambiente de trabalho”, diz. A empresária Sandra está satisfeita com o resultado e garante que a empresa já inclui o gasto de R$ 400 mensais com a atividade nas suas despesas fixas.

Iniciativas como essas são muito bem-vindas. No entanto, a falta de continuidade dos programas é um dos entraves para o sucesso de tentativas semelhantes. Muitos projetos não duram mais do que
um mês porque os responsáveis consideram que não houve adesão suficiente. “Muitas vezes, os gestores são imediatistas em termos de resultado. Mas precisam ter em mente que ninguém pára de fumar
depois de uma palestra”, diz a especialista Ana Rossi, que desenvolve ações de longa duração em diversas empresas. Em uma delas, a Copesul, do setor petroquímico, sediada no Rio Grande do Sul, o trabalho contra a tensão já dura sete anos. Surgiu quando a empresa redesenhou o processo de funcionamento, criando times de trabalho com hierarquia horizontalizada. Dessa forma, as pessoas são estimuladas a desenvolver novas habilidades.

O projeto teve início com o diagnóstico dos fatores estressantes
de acordo com a ótica dos funcionários. Continuou, entre outras
coisas, com a oferta de cerca de 15 sessões de terapia para quem quisesse obter mais orientações para controlar o stress. “Investimos cerca de R$ 100 mil por ano nesse projeto e já envolvemos 70% dos funcionários”, garante Norberto Nast, executivo de recursos humanos
da companhia gaúcha. Parte do dinheiro foi aplicada para construir salas de relaxamento nos setores operacionais, que trabalham em três turnos na refinação do petróleo. “O trabalhador que se sentir com dificuldade de concentração pode descansar e retomar o trabalho depois de tirar uma soneca”, explica Nost.

A preocupação em poupar os funcionários e evitar que percam a saúde também motiva outra empresa, a Schlumberger Oil Filt Services, com sede em cinco Estados brasileiros e presente em mais de 100 países. Para a empresa, melhorar a qualidade de vida é uma prioridade, principalmente depois da morte de executivos de alto escalão nos Estados Unidos por enfarto. Decidida a contribuir para que seus funcionários adotem um estilo de vida mais saudável, a Schlumberger considera os resultados individuais obtidos nos programas de qualidade de vida, como assiduidade às aulas de ginástica e perda de peso, para somar pontos nos bônus de final de ano dos funcionários gerenciais. “Tudo contribui para motivar”, diz Ferreira.

Desde o ano passado, a empresa desembolsa R$ 200 ao mês por funcionário que adere ao programa e paga professores de ginástica e nutricionistas que têm a função de dar atendimento personalizado a cada um. O executivo responsável pelo setor de qualidade de vida, segurança e saúde para a América Latina, Affonso Ferreira, 36 anos, por exemplo, idealizou o projeto, aderiu e mudou sua rotina. “Emagreci dez quilos em 12 meses e passei a praticar exercícios e corrida pela manhã de acordo com um programa criado para mim. Tenho mais energia e disposição”, diz. Se continuar com essa rotina, Ferreira certamente reduzirá fatores de risco para várias doenças, como a obesidade e pressão elevada, denunciados durante um check-up realizado no ano passado.
A prática de uma atividade física é também o ponto-chave do programa de qualidade de vida em implantação no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. “Todos os funcionários podem fazer massagem para relaxar os músculos três vezes por semana e há aulas de ginástica chinesa, o lian gong, em quatro horários semanais”, explica o médico do trabalho Luiz Rensi, responsável pelo monitoramento de saúde no hospital.

Liberdade – A flexibilidade de horário também faz parte dos atrativos do projeto. Cada um pode parar o expediente na hora que quiser para ser massageado ou dar uma volta nas praças construídas ao redor do hospital.“Dessa maneira, as pessoas se sentem mais livres para organizar a rotina de trabalho”, diz Rensi. De fato, deixar que o funcionário administre seu próprio tempo pode ser uma forma de amenizar o stress. Na Semco, do empresário Ricardo Semler, que fez muito sucesso na década de 90 com suas teorias revolucionárias de gerenciamento empresarial, a flexibilidade de horário é uma regra. A assistente de diretoria Edi Lima, 39 anos, não tem obrigação de ir todo dia ao escritório. Se quiser, pode chegar às três da tarde e sair durante o dia para resolver problemas pessoais ou ir ao cabeleireiro que ninguém reclama. No entanto, precisa controlar muito bem o tempo para cumprir todos os compromissos no prazo, como agendar reuniões e cuidar dos pagamentos da empresa. “Consigo viver muito bem dessa forma. Resolvo minha vida pessoal e as questões do trabalho sem achar que tive de me privar de nada”, diz Edi.

Para facilitar o trabalho de todo o seu staff, a empresa tem várias sedes espalhadas pela capital e, no prédio central, instalou diversas redes ao ar livre onde se pode descansar alguns momentos ou, se quiser, até trabalhar. Chamado de “redódromo” pelos empregados, é, obviamente, um dos locais mais frequentados da companhia. O que, de maneira alguma, atrapalha o rendimento de cada funcionário. Pelo contrário. A produtividade e o faturamento na Semco sobem a cada ano. Prova de que trabalhar com prazer rende muito mais.
Colaborou Vivian Lemos