A cena que será descrita a seguir talvez fosse mais palatável numa tela de Salvador Dalí ou então num filme do espanhol Luiz Buñel, os dois mestres do surrealismo. Se não fosse assim, como conceber um argentino, vestido com a camisa da Seleção Brasileira, pendurado na grade de seu apartamento gritando desesperadamente Chupa, inglês! Não há certeza se havia algum súdito da rainha Elisabeth na vizinhança do cabeleireiro Juan Carlos, 43 anos, no Pacaembu, zona oeste de São Paulo. Mas o entusiasmo do “hermano” seria capaz de fazer seus gritos ecoarem nos jardins do Palácio de Buckingham. Quem não o conhece diria que a atitude é reflexo dos 25 anos de Brasil. Mas Juan faz questão de mostrar que é um argentino um tanto diferente. “Desde pequeno admiro o Brasil. Ficava louco quando via na televisão o Carnaval, as mulatas… Além desse detalhe, sempre fui fã do futebol brasileiro. Por isso, sonhava conhecer esse País”, diz Juan, para desespero de seus amigos de Villa Invencible, bairro onde passou a infância na periferia de Buenos Aires.

O simpático cabeleireiro foi bastante enfático ao explicar por que torcia fervorosamente por um time que é o maior rival para 11 entre dez compatriotas. “O jogo é contra a Inglaterra. Nesse caso, é como se a Argentina estivesse jogando. O Brasil é a América Latina na Copa”, afirma. Mas ele jura que a aversão aos britânicos nada tem a ver com a Guerra das Malvinas, que há 20 anos levou os dois países ao conflito nas frias águas do Atlântico Sul. “Não tenho afinidade com os ingleses. É duro de aguentar a soberba e a empáfia desse povo. Sem contar que eles ajudaram a eliminar a Argentina da Copa.” Quem assistiu à partida ao lado dele pôde constatar a falta de delicadeza para com os rapazes da Coroa. “Vai no umbigo dele!”, gritava para Edmílson, em uma dividida com o baby face David Beckham.

Ao contrário da maioria dos conterrâneos, Juan jura que não torceu para o Brasil apenas no jogo contra a Inglaterra. Grato ao País que escolheu para viver, casado com uma brasileira e pai de dois filhos brazucas, ele garante que vestirá o verde-amarelo até a final da Copa. “Quero ver a Seleção Brasileira campeã do mundo”, sonha. A opinião parece ter contagiado os familiares em Buenos Aires. Ao final do jogo, recebeu um telefonema da irmã Ana e do sobrinho Max. O garoto parecia mais eufórico que o mais fanático dos torcedores daqui. “Gracias brasileños. Ustedes nos hicieron felizes. Los ingleses son una basura.” Tradução. “Obrigado, brasileiros. Vocês nos fizeram felizes. Os ingleses são um lixo.” O Mundial Coréia/Japão está produzindo milagres.