26/06/2002 - 10:00
Use sempre Leite de Colonia e seu noivo virá. O anúncio publicado na revista O Cruzeiro, em 1948, tentava seduzir a consumidora por meio do mais forte apelo da época: agarrar um homem. Levou décadas para a publicidade depurar esse discurso e chegar aos dias atuais, em que se dirige à mulher como alguém com vida própria, independente e inteligente. Não, o mercado não ficou gentil repentinamente. “É uma mudança puramente mercadológica. Se a mulher está com poder de decisão na sociedade de consumo, anúncios e anunciantes não podem correr o risco de desagradar a este segmento”, diz o publicitário Lula Vieira, da V&S Comunicações. Mesmo na área de cosméticos, símbolo maior da vaidade feminina, o enfoque está, digamos, rejuvenescendo. A linha AcTO, da francesa Millenial beauty, em lançamento no Brasil, apresenta seus batons, bases e cremes em meio a textos que dizem: “A maquiagem da mulher atual, moderna e inteligente…”
É a publicidade, que sempre tratou a mulher como produto, atualizando o discurso. Já não era sem tempo. O último censo do IBGE, em 2000, flagrou aumento de 37,6% no número de mulheres responsáveis pelos lares em relação à última medição, em 1991. E o indicador que mais sinaliza a entrada definitiva do universo feminino no campo do poder é a educação: a proporção de mulheres alfabetizadas, 87,5%, finalmente chega ao patamar masculino. Claro que continuam existindo as propagandas de cerveja, entre outras, associando mulheres a simples deleite. Mas, por outro lado, empresas de lingerie desistem de vender calcinhas e sutiãs penas para aquelas que pretendem aparecer sedutoras para homens. “Fizemos uma pesquisa e constatamos que a prioridade delas é a qualidade técnica do produto, e a não sexual”, diz Vieira.
Ou seja, as mulheres querem que as peças íntimas sejam, primeiro, confortáveis para elas. Depois, bonitas para elas. Em terceiro lugar, atraentes para eles. A DuLoren, uma das maiores fabricantes brasileiras, substituiu suas campanhas marcadas pela polêmica por outras engajadas. Um anúncio intitulado “Chega de fome, mostra uma modelo com crianças pobres e diz “destacar uma mulher sensual, que, ao mesmo tempo, não é indiferente aos problemas sociais que a cercam.” “Chega de guerra” se dirige à “mulher que se preocupa tanto com sua própria sensualidade quanto com questões mais abrangentes”. A estilista da empresa, Denise Areal, trabalha em sintonia com a consumidora: “Ela é feminina e não feminista. Quer ficar bonita para dar prazer e, prioritariamente, ter prazer. Paga suas contas, se preocupa com a violência, a ecologia. É politizada e antenada.” Os números comprovam sua estratégia: um milhão e 200 mil peças vendidas por mês.
A top model internacional Fernanda Tavares, 21 anos, conta que alguns clientes conceituam o produto e o mercado antes de iniciar os trabalhos de uma campanha. “Dizem que estão direcionados a uma mulher independente, inteligente, que tem seu próprio dinheiro e não está nem aí para o que os outros pensam ou falam.” Fernanda, segunda modelo mais bem paga do Brasil (a primeira é Gisele Bündchen), se inclui nesse universo: “Não me imagino dependendo de ninguém. Sou da geração trabalho.” Para ir ao Rio de Janeiro estrelar o novo catálogo da grife Animale, Fernanda embolsou R$ 100 mil. “Vale a pena. Ela passa imagem que mistura segurança e sensualidade. Fazemos pesquisa constante com nossas consumidoras e elas estão nesse contexto”, diz Cláudia Jatahy, estilista da marca.
O diretor de criação e sócio da agência Age, de São Paulo, Tomás Lorente, pegou um bom desafio: anunciar um programa feito por mulheres, mas não para mulheres e, muito menos, sobre as chamadas questões de mulheres. Uma das frases que sintetizam a idéia do programa Saia justa, comandado por Rita Lee, Mônica Wald Vogel, Marisa Orth e Fernanda Young, no GNT, alerta que “existe coisa mais perigosa nas mãos de mulheres do que dinheiro: microfone”. Lorente explica: “O debate que elas promovem vai além das propostas de outros programas femininos que banalizam demais a mulher”, atesta. “A mulher está conquistando o topo do mercado e não quer ser identificada com programas que ficam falando de silicone.” Conclusão: se o Leite de Colonia tentasse vender seu produto hoje, oferecendo apenas um noivo como recompensa, correria o risco de ver grande parte da mercadoria encalhada nas prateleiras.