Nos últimos dois anos, o Senado foi o cenário de passagens nada edificantes da política nacional. Seus principais protagonistas foram quatro senadores que acabaram perdendo o cargo antes do término de seus mandatos e agora planejam voltar para o Congresso. Luiz Estevão (PMDB-DF), acusado de ter participado do desvio de R$ 169 milhões na construção da sede do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, foi cassado pelo plenário do Senado em 28 de junho de 2000. Na época, ele respondia a 13 processos no Supremo Tribunal Federal. Perdeu o cargo e os direitos políticos por oito anos, o que o impossibilita de disputar nova eleição até 2012. “Levei o caso até o final porque tinha certeza de minha inocência”,
diz o ex-senador de Brasília. Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), José Roberto Arruda (PFL-DF) e Jader Barbalho (PMDB-PA) escolheram um destino mais confortável. Os dois primeiros fraudaram o painel eletrônico do Senado para conhecer o conteúdo
dos votos secretos que levaram à perda do mandato de Estevão.
Em um primeiro momento negaram a bisbilhotice denunciada por ISTOÉ e mais tarde confirmada por depoimentos e pela perícia técnica. Na sequência, renunciaram. Com isso, fugiram do julgamento político e da inelegibilidade. Ou seja, estarão nos próximos meses pedindo votos para as eleições de outubro.

Desgastado politicamente, ACM ainda é um cacique político e as pesquisas indicam que ele não deverá ter dificuldades para se eleger senador, embora não descarte a possibilidade de disputar o governo estadual. Já o ex-senador Arruda planeja concorrer a uma vaga na Câmara. Jader, acusado de participar de esquemas fraudulentos na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), também renunciou antes do julgamento de seus pares. Não escapou de processos judiciais e chegou a ser preso pela Polícia Federal. Mesmo assim, irá disputar a eleição para o Senado pelo Pará e tem boas chances de ser eleito. O caminho de volta para Luiz Estevão é mais complexo. Depende de uma inédita equação jurídica. “Escolhi o trajeto mais difícil, mas a renúncia me parecia um ato de covardia”, afirma. Depois de levar o desconhecido time do Brasiliense para a final da Copa do Brasil de 2002, é provável que fosse mais fácil para Luiz Estevão voltar ao Senado pelo voto popular do que pelo caminho da Justiça.

Absolvições – Nos próximos dias, o juiz Casem Mazloum, da 1ª Vara Criminal da Justiça Federal em São Paulo, irá dar o veredicto sobre o caso do desvio de dinheiro público na construção da sede do TRT de São Paulo. Estevão é um dos réus, ao lado do juiz Nicolau dos Santos Neto e dos empresários Fábio Monteiro de Barros Filho e José Eduardo Teixeira Ferraz. Caso convença o juiz de sua alegada inocência, o ex-senador dará início a um processo inédito no Brasil, visando anular a seção do Senado que lhe tirou o mandato. “A fraude no painel do Senado já é suficiente para mostrar que formalmente a votação que me cassou
foi irregular, mas somente irei pleitear um novo julgamento no Senado depois de ser absolvido pela Justiça”, afirma. Se depender das últimas decisões judiciais, o prognóstico é favorável. Um dos argumentos que mais pesaram na cassação e em duas prisões sofridas por Estevão
(em junho de 2000 e em março do ano passado) foram os 13 processos a que respondia em junho de 2000. “Antes de se eleger, Luiz Estevão envolveu-se em ilícitos penais de diferentes tipos, alguns dos quais somente se tornaram conhecidos depois de seu ingresso nesta casa. Esses indícios foram suficientes para motivar inquéritos e denúncias de iniciativa do Ministério Público, com graves danos à reputação e à
imagem pública dele”, escreveu o senador Jef-ferson Péres (PDT- AM)
em seu parecer indicando a cassação de Estevão. Hoje, dois anos depois de perder o mandato, o ex-senador carrega debaixo do braço 13 sentenças de absolvição.

No caso do TRT, o desafio do ex-senador consiste em desmontar basicamente três questões levantadas pelo Ministério Público Federal. A primeira é a de que seu grupo OK não foi sócio da Incal na construção do TRT. Outra é a de que ele jamais teria recebido algum pagamento por causa da obra e a terceira é a de que em nenhum momento teria remetido dinheiro para o juiz Nicolau no Exterior. Para isso, as alegações finais de sua defesa somam 132 páginas e mais um calhamaço de documentos, inclusive laudos periciais em documentos bancários.

A sociedade – A defesa de
Luiz Estevão lista 37 “incoerências” na acusação formulada pelo Ministério
Público Federal. Uma das principais se refere à constituição acionária da Incal Incorporações S/A. O MP apresenta três afirmativas diferentes para a suposta participação do ex-senador nas obras do juiz Lalau. Primeiro sustenta que o grupo OK disputou a licitação da obra do TRT como parceiro da Construtora Augusto Velloso, formando um consórcio derrotado na concorrência. Depois, afirma que o grupo OK teria 90% das cotas da Incal – a vencedora da licitação – e os outros 10% seriam do grupo Monteiro de Barros. Mais adiante, afirma que Luiz Estevão seria um sócio oculto, com um “contrato de gaveta” para esconder “o verdadeiro sócio majoritário”.

Que Estevão chegou a ser sócio da Incal visando à disputa da obra do TRT, não há dúvida. Mas, segundo o ex-senador, nada foi oculto e a sociedade acabou desfeita antes de a licitação ser concluída. Contratos registrados em cartórios confirmam que a sociedade durou apenas algumas horas. “No processo está o registro da sociedade e uma carta também registrada na qual o grupo OK desfez a sociedade horas depois de constituí-la. Tudo isso foi registrado em cartório. Não existe nada de gaveta nem escondido”, diz Luiz Estevão. O Ministério Público tem ciência desses documentos, mas faz uma leitura diferente. Segundo a procuradora Janice Ascari, a carta de Luiz Estevão tornando a sociedade sem efeito é na verdade “uma renúncia ao direito de preferência na aquisição das ações”.

“É evidente que cada parte envolvida interpreta os documentos e os fatos da maneira que melhor lhe convém. No momento, estou estudando tudo o que está nas 12 mil páginas desse processo para poder decidir de forma isenta, distante do clamor popular e garantindo o amplo direito de defesa”, disse o juiz Mazloum na tarde da quarta-feira 19.

Pagamentos – Outro ponto de conflito de versões encontra-se na explicação de pagamentos feitos pelo grupo Monteiro de Barros ao grupo OK, que somam R$ 34 milhões. Segundo o MP, o dinheiro se refere a repasses relativos às obras do TRT paulista, o que caracterizaria na prática a sociedade de Estevão com a Incal. O ex-senador nega. Segundo ele, esse dinheiro se referia a negócios feitos com Fábio Monteiro de Barros alheios às obras do TRT, muitos deles realizados antes da licitação do fórum trabalhista, ocorrida em 1992. Entre as 12 mil páginas que estão com o juiz Mazloum há cópias de contratos que confirmariam essa versão. O Ministério Público, no entanto, afirma, citando trechos do relatório final da CPI do Judiciário, que os contratos “foram fabricados em 1999”, pois essa era a data registrada no computador de Fábio Monteiro de Barros – na qual teriam sido redigidos os contratos –, apreendido pela Justiça. Portanto, seriam documentos forjados apenas para sustentar a versão do ex-senador.

Em sua defesa, Luiz Estevão juntou o trecho do relatório da CPI que se refere ao contrato: “Segundo julgamos, esses documentos devem ser tecnicamente examinados pelos órgãos competentes para fins de esclarecimento de sua autenticidade, especialmente no que se refere às datas.” Um laudo elaborado pela Seção de Criminalística da Polícia Federal concluiu que “a data constante no computador de registro de um documento refere-se à última vez em que o documento foi salvo e não ao momento em que foi criado”.

O dinheiro de Lalau – Uma suposta remessa de US$ 1 milhão de contas de empresas de Luiz Estevão no Delta Bank de Miami para contas do juiz Nicolau completa os principais tópicos da acusação do MP contra Estevão. A procuradora Janice Ascari se baseia na cópia de uma ordem de transferência de recursos que seria assinada pelo próprio Estevão para fazer a acusação. O ex-senador, no entanto, nega ter feito ou autorizado a transferência do dinheiro, embora tenha admitido ser o dono das contas listadas pelo MP. “Esse documento é falso. Não existe outra explicação”, desafia Estevão. O Ministério Público descarta completamente a versão e sustenta que o documento foi remetido ao Brasil pelo Judiciário dos Estados Unidos. Diante desse conflito, Estevão solicitou ao Delta Bank o documento original, a fim de levá-lo para perícia. O banco, com apoio da Justiça da Flórida, decidiu não entregar o documento. “Providenciei para que a perícia técnica fosse feita na cópia trazida pelo MP”, diz Estevão. O laudo do Instituto Del Picchia aponta para uma fraude. A ordem de pagamento não teria sido assinada por Estevão. Qualquer que seja a decisão do juiz Mazloum, o caso ainda está longe de um desfecho, pois tanto o MP como o ex-senador poderão recorrer. O certo é que, em caso de absolvição, Estevão dará entrada imediatamente no outro processo que poderá levá-lo de volta ao Senado.