Num dia de agosto de 1891, o judeu tcheco Frederico Figner tentava mostrar ao dono do Hotel Central, em Belém do Pará, o funcionamento de um fonógrafo – o avô do gravador –, trazido há pouco dos Estados Unidos. Caprichando no sotaque, o comerciante soltou: “Habla usted aqui”, disse, apontando para o orifício no qual se colocava a voz. Ao que o hoteleiro respondeu: “C’est merveilleux, quelle chose extraordinaire!”, numa demonstração da diversidade de línguas faladas naquele canto dos trópicos. A divertida confusão de comunicação seria apenas um curioso adendo à biografia do comerciante, não fosse ele o fundador da primeira gravadora brasileira. O caso está registrado no livro A casa Edison e seu tempo (Centro de Referência de Música Brasileira, 312 págs., R$ 200), do fotógrafo e pesquisador Humberto Franceschi, que conta a saga da loja inaugurada no Rio de Janeiro, em 1900. Trata-se de um dos vértices de um megaprojeto encampado pela Petrobras Música, cujo centro de pesquisa instalado na sede carioca do Instituto Moreira Salles mantém sete terminais de computador, que dão acesso a seis mil discos 78 RPM – recuperados digitalmente – e à coleção de reportagens do arquivo do crítico e também pesquisador José Ramos Tinhorão. Desenvolvido em parceria com o selo Biscoito Fino e a Acari Records, o projeto colocou à venda outros dois itens indispensáveis. Além do livro – que vem acompanhado de quatro CDs apresentando parte das canções do acervo e de cinco CD-ROMs contendo fac-símiles de documentos e partituras –, estão nas lojas a caixa Memórias musicais e a coleção Princípios do choro.

Memórias musicais embala 15 CDs mais livreto por R$ 210. Reúne restaurações de gravações feitas entre 1902 e 1950 – três dos álbuns são inteiramente dedicados a Pixinguinha. Na coleção Princípios do choro– com cinco CDs triplos vendidos a R$ 200 ou a R$ 50 cada um – encontram-se 215 choros inéditos ou pouco conhecidos, compostos a partir de 1870 e regravados por grupos comandados pelos músicos Maurício Carrilho e Luciana Rabello. Um verdadeiro tesouro. Segundo Franceschi, que chegou ao arquivo pessoal de Figner através de suas netas, é importantíssimo o acesso às fontes primárias de informação, pois só assim se derruba o mito para construir a verdade. Preocupação semelhante teve Carrilho. Das 215 músicas gravadas, somente 61 estavam harmonizadas em edições para piano, ou seja, a maioria das partituras continha apenas a melodia, sem nenhuma referência de acompanhamento. A única maneira de se recuperar uma canção nestas circunstâncias é através do conhecimento aprofundado da instrumentação e do estilo do compositor, da época em que ele viveu e dos ambientes que frequentou. Enfim, uma aula de história da música popular brasileira.