George Lucas, 58 anos, é um diretor entusiasta da clonagem. Desde 1977, ele vem manipulando geneticamente seu principal filhote, a série Guerra nas estrelas. Mas, como dizem vários cientistas, o clone nunca é como o original. Há a tendência de a cópia sair piorada. Em Star wars – episódio I: a ameaça fantasma (1999), por exemplo, a sequência de genes foi tão aguada que o filhote nasceu retardado. Agora, com Star wars – episódio II: ataque dos clones (Star wars – episode II: attack of the clones, Estados Unidos, 2002) – que estréia na segunda-feira 1º –, a criatura é mais bem acabada. Mesmo assim, está há anos-luz de seus similares dos anos 70 e início dos anos 80. É verdade que para o público a ciência pouco exata de George Lucas não importa. A ameaça fantasma faturou astronômicos US$ 900 milhões ao redor do planeta, e Ataque dos clones tem energia para amealhar pelo menos bilheteria semelhante. A boa notícia aos antigos admiradores da saga é que o recente episódio está mais para a tradição sombria de O Império contra ataca (1980), considerado o melhor da ninhada.

A má notícia, bem, são várias más notícias, é que o enredo continua um monstrengo sem pé nem cabeça. Atores fazem um papelão – por que a ficção científica costuma trazer o pior de cada ator? – e os diálogos são de doer. Mais importante deste contra-ataque do império de Lucas é que ele procura voltar às origens da sua obra. Depois de tanta crítica dos fervorosos e velhos fãs da saga, ele requisitou a ajuda de Jonathan Hales, o co-autor dos textos. Também foram cortadas as jogadas destinadas exclusivamente ao público infantil. Apesar das tentativas, Lucas não se redime do desvio de percurso a que submeteu sua criação em A ameaça fantasma, no qual apresentou a gênese de Darth Vader no garoto fofinho, espécie de modelo de calendário do Unicef. Em Ataque dos clones, a história pula uma década. Anakin Skywaker já é um jedi júnior, rebelde aprendiz das tropas de guerreiros míticos da república de planetas, interpretado pelo garotão Hayden Christensen, cujo choramingo de adolescente está tão distante do tenor de James Earl Jones (a voz de Darth Vader nos filmes anteriores) quanto a Terra do planeta Coruscant.

Tenta-se mostrar a metamorfose deste Anakin ranheta no senhor das trevas Vader. Aqui, ele serve a rainha Padmé Amidála, novamente metida na pele aparentemente sedosa da atriz Natalie Portman. Sua majestade, diga-se, não envelheceu nada nos últimos anos. O que mudou foi a perda da coroa, já que por motivos altruístas Amidála largou o trono para servir como senadora no Parlamento da República das Galáxias. Mesmo sem as prerrogativas do cetro, a moça ainda mantém aquele seu conhecido figurino talhado na melhor tradição dos velhos concursos de fantasias dos bailes de carnaval do Theatro Municipal carioca. No entanto, não é o guarda-roupa que faz cair o queixo da platéia. Cenas de ação continuam sendo as peças de resistência. E ação é o que não falta. Lucas demonstra ter readquirido os níveis de testosterona que o transformaram em mito. O que os jedis fazem com os sabres a laser e veículos voadores o cineasta faz com a câmera e os computadores de sua empresa Industrial Light & Magic.

Como senadora, Amidála sofre dois atentados, um deles antes mesmo de passar pela alfândega do planeta Coruscant, sede do Parlamento. Dois jedis são destacados para o serviço de guarda-costas: o experiente Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor) e seu aprendiz de feiticeiro Anakin Skywalker. A segunda investida contra a ex-rainha descamba para sequências de perseguição aerotransportada que colocam o espectador no topo dos veículos. Na fuga está uma camaleoa assassina, que, em sua melhor versão corpórea, não é de jogar fora. Depois de malabarismos no
espaço, o encalço aterrissa num bar. O leitor sabe que, de bar, Lucas entende. Basta lembrar aquele lendário botequim do primeiro Guerra nas estrelas. Desta vez, contudo, as figurinhas carimbadas da freguesia são quase tão prosaicas quanto a clientela de um clube punk de Nova York, por mais incrível que possa parecer. São seres criados pelo fabuloso orçamento de US$ 120 milhões, que possibilitou ao diretor ficar a maior parte do tempo ancorado à frente de uma gigantesca tela plasma, digitalizando os personagens.

Seres inexistentes – Tal artimanha obrigou os atores de carne e osso a bater uma bola com seres e imagens inexistentes. É só ver o velho guru Yoda, o sábio anão originalmente criado pela turma dos Muppets. Como antes era um boneco com gente dentro, Yoda tinha movimentos e expressões faciais típicas das marionetes. Agora, ele foi totalmente digitalizado, mas repete os maneirismos do boneco original, o que lhe deu mais liberdade de ação e briga. E como briga o pequenino… É verdade que a insuportável figura de Jar Jar Binks – espécie de cachorro ET jamaicano – ainda tem participação no filme e não foi descartado, como queria a maior parte dos antigos fãs da série. Sua aparição, porém, resume-se a meros minutos, sequência em que Amidála, com toda a sua suposta sabedoria, o deixa como seu suplente no Parlamento.
Enquanto isso, o entusiasmo de Anakin pela senadora a quem deve proteger é tão visível quanto, digamos, um sabre a laser. O problema é que, pelo código de regras de sua profissão, ele está proibido de se dedicar à arte do amor. Eis aí a primeira oportunidade para a lado
negro moldar seu caráter. Apaixonado, segue sua musa pelo universo afora num périplo que os leva desde Naboo – o planeta natal de Amidála, onde o castelo é uma montagem sobre o palácio da rainha Isabel, a Católica, em Sevilha – até Tatooine, o planeta de origem de Anakin. É lá que o jovem descamba ainda mais para o lado negro, vingando a morte de sua mãe com o massacre de uma tribo de nômades. Depois vem a carnificina dos diálogos. É quando os textos mais abomináveis são atirados à platéia indefesa.

Alienígenas sensuais – Felizmente estas cenas têm como contraponto a perseguição de Obi-Wan Kenobi ao caçador de recompensas Jango Fett (Temuera Morrison). Fett serviu de modelo para os clones que vão compor o exército da República e, por fim, no futuro, se transformar na tropa de choque do lado negro. Eles foram criados no planeta Geonosis, onde se encontram os alienígenas mais sensuais do universo. O embate entre Kenobi e Fett começa numa plataforma submarina, passa por uma tempestade de meteoros no espaço e segue em direção ao esconderijo de um certo Count Dooku (Christopher Lee), que no Brasil, por razões óbvias, se chama Conde Dookan. Não se sabe ainda como o galãzinho Anakin vai se tornar vilão. Só se espera que no capítulo final, previsto para 2005, George Lucas volte a ser o cineasta jedi de antigamente.