É preciso ir além do óbvio para enxergar Juliana Paes. A moça brejeira, de olhos amendoados, pele cintilante, boca sensual e bumbum arrebitado que sacode o País e é a mais forte candidata ao título de musa das musas do Carnaval 2004. Não se pode negar, o impulso imediato é entendê-la como a bonita e gostosa da hora. Pode até ser. Mas a personalidade que Juliana demonstra pessoalmente evoca outra descrição: a de uma mulher singular, disposta a ser uma atriz
de verdade e protagonista de sua própria vida. Prestes a completar
25 anos no dia 26 de março, ela está em exercício de amadurecimento. Sua personagem na novela global Celebridade, Jaqueline Joy, cresce a cada capítulo e é a figura em maior evidência nas quadras de Carnaval. Juliana vai substituir Luma de Oliveira à frente da bateria da Viradouro e estréia com demonstração de prestígio: a escola de samba trocou a denominação “madrinha” por “rainha” da bateria. É uma senhora responsabilidade, mas não estressa a musa: “Estou tranquila. O
samba é minha praia, desfilo há anos e estou lisonjeada com tudo
o que está acontecendo.”

No meio da entrevista, Juliana atende a uma ligação da avó Íris, mãe de sua mãe, Regina Célia, e avisa: “Eu falei que herdei a sua ‘poupança’, que esse meu bumbum é igual ao seu.” Após desligar o celular e deixar a avó pasma, ela reafirma: “Minha avó é do tipo tanajura. Aliás, lá em casa, todo mundo é.” A atriz conta que já teve problemas por causa da região glútea avantajada e até pensou em operar, fazer lipoaspiração, qualquer coisa para diminuí-la. “Achava desproporcional”, explica. Hoje, entretanto, está em paz com a silhueta. Mas não perdeu um hábito antigo: “Quando passo por homens parados na calçada, ainda viro para flagrar o olhar. Brasileiro tem essa mania, né?” Esse caso é um bom exemplo do jeito de Juliana Paes. Simples, sincera, bem-humorada.

Juliana nasceu em Niterói, no Estado do Rio de Janeiro, em uma família de classe média. O pai, o militar reformado Carlos Henrique Paes, animava a prole – além de Juliana, Rosana, 24 anos, Mariana, 18, e Júnior, 17 –, levando-os sempre ao circo e aos parques. A atriz diz que teve uma infância feliz. Mas cedo ingressou no mundo dos adultos: aos 12 anos fez os primeiros trabalhos em publicidade na agência Funny Faces. “Eu não era uma criança linda, mas tinha personalidade e era meio engraçada”, diz. Esse contato com os flashes provocou o interesse pela carreira artística, mas Juliana resolveu primeiro estudar para depois tentar a sorte. Cursou Publicidade na Escola Superior de Propaganda e Marketing, paralelamente ao trabalho de modelo fotográfica, para pagar os estudos. “Nesse período, minha família enfrentava uma baita crise financeira. Eu tinha de me virar”, conta.

O pai de Juliana sofreu traumatismo craniano num jogo de futebol e quase morreu. Depois disso, a situação financeira da família ficou ainda mais delicada. “Sem pistolão”, como diz, ela resolveu abrir seu espaço por conta própria. Após um teste na Rede Globo, estreou como figurante na novela Malhação, há quase quatro anos. Depois, conseguiu o papel que abriu as portas para a carreira: a empregada doméstica Ritinha de Laços de família. A seguir, foi a Rosinha no episódio História de Carnaval do especial Brava gente, a Karla de O clone, a Teiniagua de A casa das sete mulheres e, finalmente, a Jaqueline atual.

E, assim como sua personagem, simpatia é palavra recorrente no texto de quem fala sobre a musa. “Juliana é simpática, tem luz, é transparente. Não deixou grudar máscara em si. Trabalha sério”, diz Camila Amado, atriz que dá aulas de interpretação para a novata. “É simpática, tem carisma. Torço para que a carreira dela continue em ascensão”, atesta Hugo Carvana, o Lineu de Celebridade. “Tem perfil de musa brasileira: brejeirice, simpatia, comunicação, beleza”, resume o diretor de Carnaval da Viradouro, Dejahyr dos Santos. Um dos melhores amigos e também seu empresário, Ike Cruz, se confessa emocionado com o sucesso da pupila. “Ela começou como uma mulher bonita e hoje cresce como atriz”, diz ele.

Nem todos, entretanto, rasgam elogios.
A apresentadora Luciana Gimenez, destaque
da escola Grande Rio, insinuou, em seu programa Superpop da segunda-feira 2,
na Rede TV!, que a concentração dos
holofotes sobre Juliana e atrizes da Globo
se deve a estratégias comerciais. Luciana
disse que “a outra emissora” conseguiu destacar suas musas, “enquanto outras
vão estar fora”. O depoimento evidencia a guerra nos bastidores do Carnaval carioca – considerado “o maior espetáculo da Terra”,
com poderes de transformar um anônimo em estrela, da noite para o dia. Foi o que aconteceu com Luma de Oliveira, uma modelo que virou celebridade após um arrasador desfile na Marquês de Sapucaí em 1987.

Nos últimos dias, houve uma reviravolta no mercado das musas do Sambódromo. Viviane Araújo e Adriane Galisteu foram dispensadas abruptamente. Valéria Valenssa, Mônica Carvalho e Luma saíram por estarem grávidas. Luana Piovani pediu o boné por razões profissionais.
Do primeiro time, sobrou Deborah Secco e entrou no páreo, com força total, Juliana Paes. Tanta competição é justificada. O Carnaval do Rio
é um negócio de grandes investimentos e considerado excelente point para marketing de relacionamento. Todos os 60 hospitality centers (camarotes superproduzidos e cheios de mordomias) e 130 frisas do
Grupo Rio Samba & Carnaval já foram vendidos. Os preços desses disputados espaços recheados de bonitos, famosos e poderosos variam entre R$ 220 mil e R$ 1,16 milhão. Entre os visitantes ilustres deste
ano está o vice-presidente mundial da General Motors, Mark Hogan,
que também vai desfilar na Acadêmicos da Rocinha.

É neste reinado que Juliana Paes vai brilhar – sem stress. A atriz continua levando sua vida de sempre, com direito a saída com amigos para um chope, sessões de acupuntura, cineminha, supermercado. Apenas um fato desafina esse samba: as fofocas sobre namoros que perseguem as celebridades. “Estou tentando aprender a lidar com isso. Agora não posso mais conversar com alguém que logo dizem que é namoro. Tem uma parte da imprensa histérica. Eles precisam renovar esse tipo de notícia e cometem equívocos. Outro dia, conversei com o Rafa (Rafael Guinle) e disseram: trocou de namorado de novo. Pô, isso é forçar a barra!”, desabafa. Separada há seis meses do modelo Marcelo Castioni, com quem foi casada por três anos, Juliana esclarece que só namorou mesmo, nesse período, o modelo e ator Rodrigo Hilbert, embora tenha visto seu nome ligado a vários falsos affairs. Cansada, decreta: “Após o Carnaval, vou me recolher, parar de sair. Vou encontrar amigos só dentro de casa para não ser alvo dessas fofocas.” Portanto, para que isso não aconteça, deixem a menina sambar em paz!

Produção: Ana Luiza Veiga; Cabelo: Adam Mendes; Maquiagem: Cauby Costa; Roupas: Ivete Dibbo e Carlos Tufvesson

 

Resgate do folclore

O Carnaval em Recife e Olinda será em versão acústica e popular. Em meio a um resgate do folclore pernambucano, as duas cidades esperam receber mais de meio milhão de turistas. Na sexta-feira 20, o percussionista Naná Vasconcelos vai agitar o Recife Antigo. “Vamos reunir todas as nações do maracatu para celebrar a paz”, diz. Cerca de 320 batuqueiros de todas as partes da cidade vão tocar juntos. Grupos tradicionais, como o Elefante, o Estrela Brilhante e o Leão Coroado, e representantes da nova geração, como Baque Virado e Porto Rico, farão um show com a Banda Sinfônica do Recife. A folia irá se espalhar por oito diferentes núcleos. Haverá um só para mangue beat, outro para crianças fantasiadas, um terceiro para afoxés, maracatus e sambas. Além da Frevioca, uma jardineira com orquestra de frevo, haverá desfiles de mais de 300 blocos e apresentações de artistas como Antônio Nóbrega e Lenine. Em Olinda, conhecida pelo Carnaval de rua no centro histórico, a prefeitura montou a Passarela do Frevo. Trata-se de um palco de mais de 20 metros, onde desfilarão os blocos locais. Por força de lei, será proibida a execução de música eletrônica. Os foliões requebrarão ao som de pandeiro, viola e rabeca. Músicos como Alceu Valença e Geraldo Azevedo e o grupo Quinteto Violado darão o tom.

Se os preços dos ingressos e a disputa das celebridades pelas câmeras – e vice-versa – não param de crescer no Sambódromo, uma folia bem menos suntuosa está tomando conta do Rio. É o Carnaval de rua, que não espera a data
oficial para mobilizar a cidade
com ritmos que vão do maracatu ao funk, com evidente domínio
do samba. A quantidade de blocos cresce tanto que nem a Riotur consegue manter um controle. Calcula, no entanto, que em meia década eles cresceram cinco vezes. Na esteira do fenômeno, o
samba contagia a cidade inteira e produz outro fato novo: as
escolas de samba saem da periferia para conquistar áreas nobres. Lagoa e Leblon, na zona sul, recebem foliões da Grande Rio e do Salgueiro e a Mocidade Independente invade a Fundição Progresso, reduto de descolados no centro. Pioneira, a Mangueira “exporta”
seu samba para vários bairros.

“Resolvemos fazer os ensaios na Lagoa porque os de Duque de Caxias ficavam lotados de moradores da zona sul”, diz o patrono da Grande Rio, Jaider Soares. E os moradores do subúrbio continuam assíduos nas festas realizadas pelas escolas, seja onde for. “Acontece um congraçamento”, ressalta o presidente do Salgueiro, Luiz Augusto Duran. Entre os que aprovam a mudança estão beldades e famosos, como Deborah Secco e Suzana Vieira, que não faltam aos bailes da Grande Rio, e os atores Rita Guedes e Maurício Mattar, sempre presentes no Salgueiro. “A animação da escola em outras partes da cidade é a mesma, mas a energia da comunidade ainda faz os ensaios na quadra serem especiais”, ressalva Rita, que será destaque da escola. Nos ensaios da Grande Rio e do Salgueiro, cerca de quatro mil pessoas disputam os ingressos que custam em torno de R$ 25.

Mas o que toma conta da folia das ruas são os blocos. A custo zero para o folião, o agito começa três semanas antes do Carnaval. Alguns pensadores buscam explicações históricas para o crescimento do Carnaval de rua. O sociólogo e presidente do Meu Bem Eu Volto Já, Jorge Sápia, vê a origem do fenômeno na mobilização da campanha Diretas-já, há 20 anos. “De lá para cá, houve uma retomada do espaço público como espaço civil”, filosofa. O curta-metragem Os devotos do samba, de Maria Cláudia Oliveira, prestes a ser lançado, aponta o crescimento como um problema para os foliões. Grupos como o Suvaco de Cristo e o Monobloco, preferidos da rapaziada, chegam a receber quatro mil pessoas nos ensaios. “O ideal é que cada esquina tenha o seu bloco para evitar o gigantismo”, diz a diretora. A irreverência é uma presença obrigatória, de grandes blocos como o Simpatia É Quase Amor ao recém-nascido Empurra que Cura, no Leblon, que vai “homenagear” com críticas o piloto americano Dale Robbin Hersh, estampando nas camisetas o gesto obsceno que ele fez ao ser fotografado no Aeroporto Internacional de Guarulhos.