19/06/2002 - 10:00
Pelé mostrou, no sorteio dos adversários brasileiros na
primeira fase da Copa 2002,
que tem as mãos tão abençoadas quanto os pés. Enquanto Argentina, Inglaterra, Itália e a campeã mundial França eram empurradas para “grupos da morte”, o rei presenteava a Seleção com dois “Bambalas” e um “Arimatéia”: Turquia, China e Costa Rica. Bambala e Arimatéia, times de várzea de Porto Alegre fechados nos anos 60, foram citados por Felipão como exemplos de ruindade – a
popular baba, no futebolês.
O Brasil, mesmo sem apresentar um futebol convincente, venceu as três partidas, somou nove pontos e terminou a etapa inicial com a melhor campanha. Já os jogadores franceses e argentinos verão o restante do torneio pela tevê. As duas seleções foram eliminadas. A Itália conseguiu a vaga no sufoco graças à incompetência da Croácia, que perdeu para o desclassificado Equador. “Fiz a minha parte. Agora é com eles”, disse Pelé, que se recupera de uma crise alérgica. “Com as mãos, Pelé jogou mais do que toda a Seleção com os pés”, brincou o apresentador Milton Neves, da Rádio Jovem Pan e da Rede Record.
A França foi despachada por Dinamarca e Senegal. Terminou em último lugar na chave, com um ponto ganho e nenhum gol marcado. Os franceses desembarcaram no Oriente confiantes num grupo tido por muitos como superior ao que derrotou o Brasil por 3 a 0 em 1998. Mas, em vez de conquistarem o bi, Zidane e seus parceiros fizeram a pior campanha da história das copas de um time que disputou o torneio como campeão. “Estou destruído”, confessou Zidane. Na manchete do jornal Le Monde, o grito de guerra “allez, les bleus (vamos, azuis)” virou “adieu, les bleus (adeus, azuis)”.
Os franceses riscaram a Copa da agenda, protestaram com discrição e empunharam cartazes com a expressão “La honte 2 (A vergoha d– 2, uma referência à derrota por 2 a 0 para a Dinamarca). Os argentinos foram mais passionais. Castigados por uma brutal crise econômica (leia reportagem à pág. 92), apostavam no sucesso da equipe para atenuar o sofrimento. Mas um grupo difícil, com Inglaterra, Nigéria e Suécia, a contusão do zagueiro Ayala, a queda de produção das estrelas e a falta de inspiração do técnico Marcelo “El Loco” Bielsa eliminaram o que poderia restar de auto-estima dos vizinhos. Após o empate mortal com a Suécia, a polícia prendeu dez torcedores em Mar del Plata e 35 em Córdoba. Até Diego Maradona perdeu o rumo. “Eles queriam que eu estivesse lá. Sim, eu me sinto culpado pela derrota”, lamentou Maradona, que prudentemente ficou em Cuba, onde faz tratamento para se livrar das drogas, apesar de ter sido liberado para entrar no Japão. “Não me lembro de ter sofrido tanto”, disse Batistuta.
As desclassificações da França e sobretudo da Argentina foram degustadas com raro prazer no Brasil. O jornal O Globo pegou pesado na coluna Agamenon na Copa. Após a eliminação da França, tascou no título uma anárquica adaptação do lema da Revolução Francesa: “Liberté, egalité, vancifudê”. No dia seguinte, a coluna voltou à carga. “Primeiro foi a França que levou uma baguete. Agora, foi a vez de a Argentina tomar no curralito (corralito, o confisco da poupança dos argentinos).” Na primeira página, a manchete “Chore por ti”. Na capa do caderno esportivo, um Batistuta em lágrimas e mais chumbo grosso, desta vez uma paródia do comercial de um cartão de crédito. “Despertador, R$ 1. Cafeteira elétrica, R$ 120. Uma dúzia de cervejas, R$ 9,60. Três pacotes de salgadinho, R$ 6. Ver a Argentina eliminada… não tem preço.”
A Folha de S.Paulo também foi cruel. Uma reportagem tinha como título “Peso morto”. Na outra, o atacante Batistuta virou “Bate e volta”. “Hasta la vista, Argentina”, estampou o Jornal do Brasil. “Adios, hermanos”, escreveu o diário esportivo Lance!. O jornal criou um mascote, o Dieguito, para simbolizar a campanha argentina. Detalhe: Dieguito é um “macaquito”, uma alusão à maneira como os argentinos se referem aos brasileiros nos momentos de menor carinho. A eliminação dos rivais serve de alerta para a Seleção. O caminho, aparentemente, ficou mais fácil. Mas é bom lembrar que, nesta Copa, Bambalas e Arimatéias estão aprontando. E, na defesa, temos um filme de terror estrelado por Edmílson, Roque Jr. e Ânderson Polga.