19/06/2002 - 10:00
O anúncio veio na quinta-feira 13, mas a decisão do governo brasileiro de recorrer ao Fundo Monetário Internacional se consolidou ao longo dos últimos dez dias, com o fracasso do Banco Central em controlar a cotação do dólar que, na última quarta-feira 12, bateu nos R$ 2,796, o segundo menor valor do real, só perdendo para a cotação atingida na sequência dos atentados terroristas de 11 de setembro nos Estados Unidos. O risco-país, índice que calcula a desconfiança dos investidores internacionais na saúde da economia, também foi longe, chegando a 1.297 pontos e superando até o do Equador, recém-saído de uma moratória.
No sábado 8, o presidente do Banco Central, Arminio Fraga, viajou para Washington, sob o pretexto de presidir uma discussão sobre regimes monetários e cambiais montada pelo Fundo. Acabou usando a viagem para alinhavar o pacote de ajuda. O anúncio das medidas foi acertado na quarta-feira 12, por telefone, entre Arminio, ainda em Washington, e o ministro Pedro Malan, no Brasil, diante da piora no mercado. E veio o pacote na quinta-feira 13, uma série de medidas para enfrentar a crise de confiança no mercado externo e a disparada do dólar, que já começa a contaminar os índices de inflação nos preços de atacado. Aplausos de José Serra, o candidato do PSDB à Presidência, que considerou corretas as medidas anunciadas para tentar acalmar os mercados. Críticas de Aloizio Mercadante, deputado federal do Partido dos Trabalhadores, para quem este governo termina levando o País ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e aumentando seu endividamento.
Disparada – Como todo pacote econômico, este também é embrulhado. O item mais importante é que nos próximos dias o País vai sacar US$ 10 bilhões previstos no acordo com o Fundo. O colchão será reforçado em mais US$ 5 bilhões, decorrentes da redução do piso mínimo de reservas de US$ 20 bilhões para US$ 15 bilhões, fixado no acordo com a instituição. Trocando em miúdos, o governo foi buscar US$ 15 bilhões extras, além dos US$ 8,6 bilhões já disponíveis nas reservas cambiais (hoje, as reservas líquidas estão em US$ 28,6 bilhões), para enfrentar a disparada das cotações do dólar e ganhar fôlego para cumprir os compromissos externos que vencem no segundo semestre do ano, calculados em US$ 13,5 bilhões.
Além do reforço de dólares, a equipe econômica anunciou um novo aperto fiscal. O superávit primário de todo o setor público, ou seja, a sobra de arrecadação depois de pagas todas as despesas dos governos federal e estaduais, além das estatais, excluídos os juros, será de R$ 48,7 bilhões ou 3,75% do PIB. São R$ 2,7 bilhões a mais do que o previsto anteriormente (3,5% do PIB) e fixado no acordo com o FMI. O governo também jogou um mico fiscal no colo do futuro presidente, antecipando que, se cumprida à risca, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), em votação no Congresso Nacional, garante arrocho idêntico (3,75% do PIB) no próximo ano. A meta sugerida antes era de 3,25% do PIB. O aperto nas contas será executado na base da administração da boca do caixa. Ao contrário do que se previa, o Tesouro vai manter o bloqueio de parte dos R$ 5,3 bilhões feito no mês passado por conta do atraso na votação da CPMF, apesar da aprovação do tributo ter sido concluída na quarta-feira 12. Só vai liberar o dinheiro a conta-gotas. A pretensão do governo federal é jogar quase metade de todo o esforço fiscal (1,2% do PIB) na conta dos governos estaduais, tarefa difícil às vésperas das eleições.
Somado ao aperto extra nas contas e ao reforço das reservas cambiais, o governo tentará melhorar o perfil de vencimento das dívidas interna e externa. É uma estratégia para enfrentar o encurtamento da dívida experimentado nas últimas semanas. Os bancos e investidores vêm se recusando a aceitar papéis com prazos de vencimento mais longo, problema que tende a se agravar com a proximidade do fim do governo. Assim, o Ministério da Fazenda e o Banco Central decidiram usar uma parte do pacote de dólares para recomprar US$ 3 bilhões em papéis brasileiros mais caros e de baixa liquidez que vencem nos próximos dois anos. O Tesouro Nacional poderá fazer o mesmo em relação à dívida interna. Com essa medida, a equipe tenta, de quebra, escapulir de acusações de que deixou uma bomba-relógio para o próximo governo. Para acalmar o mercado, o BC se diz disposto a vender títulos com correção pelo dólar de prazo curto, entrar no mercado vendendo a moeda americana e até fazer leilões de linhas externas, um mecanismo usado no final de 2000, durante a instabilidade provocada pelo chamado bug do milênio. Na época, o BC concordou em emprestar dólares aos bancos.
Excesso de confiança – Há algumas semanas, o governo não cogitava voltar ao Fundo. A confiança era tanta que, em abril, o Banco Central chegou a pagar antecipadamente US$ 4,2 bilhões sacados em setembro do ano passado. A dívida só teria que ser quitada em setembro de 2002. Durante o anúncio do pacote, a equipe econômica empenhou-se em não demonstrar preocupação com a crise. “É uma fase de turbulência e ansiedade que deve ser enfrentada com tranquilidade e firmeza. Vamos virar este jogo mostrando que a solidez da economia é mais forte que a ansiedade. O governo tem instrumentos para lidar com a situação e vai usá-los”, justificou o ministro Pedro Malan. “A radiografia é de uma situação mais equilibrada do que mostram os sinais de preço”, reforçou Arminio Fraga. Malan também tentou colocar uma parte da culpa pela crise na oposição e aproveitou para alfinetar o PT e seu candidato à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva. “Este governo não fugirá às suas responsabilidades e não deixará de governar até o fim do seu mandato”, disse o ministro ao abrir a entrevista coletiva concedida na quinta-feira 13, numa referência direta à afirmação de Lula de que “tudo o que acontecer até 31 de dezembro é responsabilidade desse governo e não do próximo”, publicada nos jornais do dia.
Calmante – Para alguns analistas, o pacote é uma espécie de calmante ao chamado mercado. Um calmante que durou pouco: sexta-feira 14, ao meio-dia, a cotação do dólar registrava uma alta de 0,52%, para R$ 2.722, junto com o risco do Brasil, que atingiu 1.265 pontos, 2,26% acima do dia anterior. Na verdade, o pacote não contempla o foco da crise que vem da decisão do governo de manter os juros a 18,5%. O movimento abriu os olhos dos analistas para uma situação não tão confortável quanto a desejada. Pouco depois, uma manobra técnica dos bancos em operações cambiais causou prejuízos às tesourarias, o que aumentou a busca por operações mais seguras. Mais alguns dias e veio a desastrosa mudança no cálculo da remuneração dos fundos de renda fixa e DI. Obrigados a se desfazerem de desvalorizados papéis da dívida brasileira para sustentar o valor das cotas, os bancos derrubaram ainda mais as cotações dos títulos federais. O BC aceitou as pressões por títulos com prazos mais curtos e aumentou significativamente o passivo que sobrará para o primeiro ano do próximo presidente.
Tudo isso, é claro, pontilhado por muita especulação sobre a sucessão presidencial. Finalmente um membro de destaque do mercado, o megaespeculador financeiro George Soros, verbalizou o verdadeiro sentimento: “Ou Serra ou o caos”, disse o bilionário, para regozijo dos operadores nacionais. Ocorre, porém, que a escalada de nervosismo do mercado, iniciada mesmo com a subida de Serra nas pesquisas (na segunda-feira 10), deixa claro que a questão da dívida não vai esperar a definição eleitoral para perturbar o governo. O problema deixou de ser do próximo presidente para cair no colo da atual administração.
Garotinho , contra o efeito Lula
Sem essa de usar o “efeito Lula” ou apelar para a desculpa da crise Argentina. Na opinião do presidenciável Anthony Garotinho (PSB), a responsabilidade pela turbulência no mercado financeiro desta semana cabe somente à equipe econômica do governo FHC. “Estamos assistindo à crônica da morte anunciada. Tudo isso já era previsto quando o governo deixou a dívida interna crescer mais do que o País”, avalia o ex-governador do Rio. Segundo ele, Lula (PT) está servindo de bode expiatório dessa crise por ocupar o primeiro lugar nas pesquisas eleitorais. “Eles fariam a mesma coisa se fosse comigo. No meu caso, iriam botar a culpa no ‘garotômetro’”, disse o candidato, referindo-se ao termo “lulômetro”, criado por um analista de um banco de investimentos americano, ao relacionar a alta do dólar ao resultado da corrida eleitoral.
Garotinho também não perdoou a declaração do presidente do Banco Central, Arminio Fraga, que disse ter condições de administrar essa crise “sem precisar tirar nenhum coelho da cartola”. “Eles não podem mais usar o coelho porque até a cenoura guardada para alimentar o bichinho já acabou”, brincou o candidato. “Eles comeram tudo.” O ex-governador do Rio mais uma vez ironizou ao comentar a afirmação do ministro Pedro Malan de que a solidez da economia brasileira superaria qualquer boato: “O Brasil está sem controle e a economia está sólida como uma gelatina.”
Apesar das críticas ao modo como o atual governo tem lidado com os juros e o controle do câmbio, Garotinho acredita que as medidas anunciadas são oportunas – com ressalvas. “O aumento do superávit primário só fará sentido se o governo baixar as taxas de juros na próxima reunião do Copom.” Em relação à antecipação dos pagamentos dos títulos, ele acha que a medida é boa por ajudar a enfrentar a especulação externa. “O que é preocupante é a redução do piso técnico das reservas. Se o País tiver que deixar as reservas caírem a esse nível para combater a especulação, a coisa pode ficar pior”, disse em nota oficial.
Adriana Souza Silva