19/06/2002 - 10:00
Empresa brasileira que alcançou o primeiro lugar do ranking das exportadoras nos últimos três anos, a Embraer acaba de assinar o contrato que poderá se tornar o maior de sua história. Na segunda-feira 10, a companhia fechou a negociação com a americana Wex-ford Capital LLC para o fornecimento de 22 jatos regionais – 15 do modelo ERJ 135 e sete do modelo ERJ 145 –, no valor de US$ 350 milhões. O contrato ainda prevê a opção da Wexford por mais 30 aeronaves de qualquer um dos dois modelos, o que poderá elevar as vendas a US$ 900 milhões. Além dessas novas exportações, a Embraer decidiu instalar uma fábrica na China para a exploração do mercado de aeronaves regionais daquele país. A empresa teve sua proposta, em associação com a francesa Dassault Aviation, selecionada pela Força Aérea Brasileira (FAB), para o fornecimento do caça supersônico Mirage 2000-5Br, em licitação para a substituição dos velhos Mirage-III, adquiridos no final da década de 60. Com esta aeronave, a empresa pretende ter acesso ao mercado internacional de caças supersônicos, em parceria com companhias francesas.
Em mais um passo de sua estratégia agressiva, a empresa inaugurou na terça-feira 11 a primeira fase de sua nova unidade industrial de aeronaves militares, no município paulista de Gavião Peixoto, 300 quilômetros a noroeste de São Paulo. Num terreno de 1,7 mil hectares, a nova fábrica terá oito hangares e uma pista de testes, que, com cinco quilômetros de extensão, será a maior pista de pousos e decolagens da América Latina e permitirá à Embraer deixar de testar seus aviões no Exterior. A cerimônia, que contou com a participação do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, teve demonstrações de aviões de controle aéreo antecipado e de sensoreamento remoto, que vão operar no sistema de vigilância da Amazônia (Sivam), e do caça Super Tucano/ALX, destinado ao Centro de Treinamento da Aeronáutica de Natal (RN). Em seu discurso, Alckmin disse que apóia a compra de caças da FAB por empresa brasileira por ser uma questão de “soberania nacional e defesa do País”. Segundo o governador, “se a Embraer consegue competir no Exterior, também pode fazer o mesmo no Brasil”. Houve, ainda, a adesão ao consórcio do presidente da Varig, Ozires Silva. “Essa concorrência deveria ser nacional, porque importar armamentos significa exportar empregos”, disse Ozires. O homem que abriu a primeira conta bancária da Embraer em 1969 nem sequer levou em conta o fato de a Varig ser parceira do consórcio anglo-sueco British Aerospace/Saab na produção do avião JAS-39 Gripen, que concorre com o Mirage 2000-5Br. O presidente da Varig também é um dos pioneiros do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), criado nos anos 50 pelo marechal Casimiro Montenegro Filho para tornar realidade o sonho de uma empresa brasileira produzir aviões civis e militares. Essa possibilidade somente agora pode ser concretizada através da Embraer. Isso explica por que Ozires Silva não conteve a emoção.
A batalha comercial da licitação, no entanto, só vai ter seu ato final em julho próximo. O impacto provocado pela oferta da cessão da tecnologia pelo consórcio Embraer- Dassault/Aviation e o possível acesso gradual do Brasil ao mercado mundial de caças supersônicos causaram imediata reação dos concorrentes. O consórcio franco-brasileiro assumiu o compromisso com a Aeronáutica de garantir a mais ampla compensação comercial, com aquisição de produtos brasileiros, inclusive do setor espacial, além de compensações industriais, como a instalação de uma unidade de produção de aeronaves em Gavião Peixoto. Os franceses assumem o compromisso de ceder tecnologia da aeronave, do seu sistema eletrônico de armas, bem como os armamentos com que a FAB pretende equipar o caça. Os demais concorrentes também reforçaram promessas de compensações comerciais. Cauteloso, o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Baptista, pediu tempo para que as propostas sejam definidas claramente, com a assinatura dos executivos das companhias que disputam um contrato de US$ 788 milhões para a venda de 12 a 24 caças supersônicos à FAB. Mas as garantias de compensações da Embraer/Dassault podem reforçar as chances do
Mirage 2000-5Br.
A licitação da Aeronáutica desperta o interesse do mercado internacional porque pode ser um atalho para as megaempresas européias atingirem outros mercados da América Latina que já têm aviões americanos. Mas a própria Aeronáutica, até o ano 2010, pode fazer nova encomenda de caças, e os escolhidos na atual concorrência, baseada no Projeto FX, teriam prioridade na futura aquisição. Poderá ser feita sem licitação, que não é obrigatória na aquisição de material de defesa. “O compromisso mais relevante do consórcio Embraer-Dassault/Aviation é o desenvolvimento dos softwares das aeronaves, que será feito aqui”, explica o presidente da Embraer, Maurício Botelho. Para ele, a questão da colocação do Brasil no mercado mundial de aeronaves de guerra não é mera retórica. Esse objetivo, por sinal, já foi levado em conta quando a cidade de Gavião Peixoto foi escolhida para a construção da unidade militar da Embraer (a civil continuará em São José dos Campos).
A parceria da Embraer com a indústria francesa é, segundo Botelho, um objetivo estratégico viável. Com encomendas de mais de US$ 11 bilhões, a empresa privatizada no final de 1994, em meio à descrença generalizada de investidores nacionais e internacionais, vai fazer uma unidade industrial na China através de uma joint venture com os chineses. A parceria com os franceses não é, portanto, o único projeto ambicioso da companhia, enquanto o programa do Mirage 2000-5Br tem o apoio de pioneiros como o brigadeiro Hugo de Oliveira Piva, afastado da coordenação do programa espacial brasileiro em 1985, em razão de picuinhas políticas, e por ter recusado, recentemente, o convite do governo federal para ser presidente do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). Outro brigadeiro que defende o retorno ao antigo programa de nacionalização do material aéreo é Sérgio Ferolla, ministro do Superior Tribunal Militar, um crítico da dependência da tecnologia externa.
Dúvidas – Já outra parceria, a assinada pela Avibrás com a estatal russa Rosoboronexport, ainda é avaliada pela Aeronáutica. Para pilotos de caças, o avião Sukhoi Su-35 está tecnicamente aprovado, mas sofre restrições decorrentes do que alguns economistas de Brasília classificam de “risco-Rússia” – ou seja: a instabilidade crônica da economia russa. O país, alegam, causou um desmonte de sua indústria de defesa após o fim da guerra fria, com os cortes impostos ao orçamento militar. Assim, muitos itens de sua linha de produção, inclusive o Sukhoi Su-35, projetados para o mercado interno, passaram a depender do mercado internacional. A proposta do Sukhoi prevê até o acesso de produtos brasileiros ao mercado russo, mas ainda precisa reforçar as compensações comerciais. Há, ainda, outro fator que deve ser esclarecido: se a Rússia sofrerá pressões da Otan (a aliança militar ocidental) por fornecer tecnologia espacial ao Brasil. “Nos últimos 30 anos, os americanos conseguiram impedir que alguns países da Otan cedessem tecnologia espacial para o Brasil”, disse o brigadeiro-engenheiro Álvaro Dutra, outro pioneiro do ITA. A Rússia poderia ter dificuldades para ceder tecnologia espacial ao Brasil devido à influência americana no Kremlin depois que o país foi admitido, como sócio menor, na Otan.