Para aqueles que sempre sonharam em participar do Casa dos artistas, mas não são celebridades classe “B” e, portanto, não se classificam para o programa, Nova York tem a solução. Um lugar onde qualquer um pode dar vazão a seu exibicionismo – e/ou voyeurismo – e ainda arrumar namoro ou pelo menos encher a cara. Trata-se do Remotelounge (327 Bowery – esquina com Segunda Avenida, em Manhattan), bar onde os fregueses são a principal atração e ficam expostos à apreciação pública, como garrafas nas prateleiras. Num salão com mais de dois mil metros quadrados, estão espalhadas 60 câmeras de televisão capazes de focalizar todos os pormenores do recinto e mais: esquadrinhar cada gesto ou detalhe de quem está dentro deste recinto.

As imagens captadas trafegam por 70 canais de circuito fechado e vão alimentar qualquer um dos 100 monitores que fazem companhia aos copos de birita nas mesas-bancadas. Ou pior: vão parar nos telões de plasma das paredes e no website da casa (www.remotelounge.com), após serem “artisticamente” manipuladas. Assim, a mocinha graciosa na mesa 15, por exemplo, poderá virar um jaburu depois de um tratamento de efeitos especiais. O bar inteiro pode, de uma hora para outra, ficar parecendo aquele botequim do primeiro filme Guerra nas estrelas. É mais ou menos como se o delirium tremens de um habitué acabasse se materializando como estrela de tevê. Mas as inspirações à George Lucas não fazem tanto a cabeça da clientela: o prato principal do Remotelounge é a paquera. Isso porque as bancadas que servem de mesa estão paramentadas de controles de câmeras e interfones que complementam os monitores. O que permite a comunicação visual e auditiva com alguém que está sentado à distância.

Torpedo digital – A idéia é fazer com que a pessoa vire uma espécie de editor de televisão, buscando os melhores ângulos de cada um dos presentes. Aquele que agradar mais pode receber um torpedo digital propondo contato. E, se houver interesse recíproco, a conversa é estabelecida via interfone. Nem é preciso dizer que o lugar é um sucesso enorme, desde que abriu suas portas e foi ao ar em outubro de 2001. Onde mais é possível dispensar a cara-de-pau em troca de uma, digamos, cara-de-vidro e flertar à vontade? Ou usar alta tecnologia para paquerar? E tudo pelo preço de uma cervejinha. É verdade que cada pessoa tem de se virar para aprender a mexer nos controles das mesas – que não vêm acompanhadas de manual de instrução, mas parte da graça é exatamente esta tentativa de domínio de sua emissora particular. Os avessos à tecnologia, portanto, podem ir beber em outras paragens e tentar conquistas à moda antiga.

Por incrível que pareça, o conceito do Remotelounge não partiu do cérebro doentio do Big Brother – personagem do livro 1984, de George Orwell – nem de sua encarnação contemporânea, o ministro da Justiça americano John Ashcroft. O bar foi idealizado por três especialistas em instalações eletrônicas que fundaram a firma Controlled Entropy Ventures. “Nossa empresa vai explorar esse tipo de entretenimento eletrônico interativo. Começando aqui por Nova York e, num futuro breve, em outras cidades americanas”, diz Kevin Centanni, professor de artes computadorizadas da New York School of Visual Arts e um dos sócios do empreendimento. “É bom ressaltar que o Remotelounge não é um cibercafé – não tem mouse nem teclado – mas, sim, um bar eletrônico-interativo, com vídeo, áudio, robótica e computação”, diz Kevin.

Toda essa tecnologia está acomodada dentro de um galpão. O décor parece o salão de cabeleireiro que o roqueiro Supla encomendaria aos desenhistas do seriado animado Os Jetsons. Isso, é claro, se a dupla Hanna Barbera – os criadores dos Jetson – tivesse antes tomado uma boa dose de LSD. O resultado evoca os conceitos futuristas dos anos 50. Tudo em tons cinza e laranja. As mesas-bancadas são coligadas em linhas que se estendem por todo o ambiente. Ali estão os monitores, interfones, botões e “joysticks”, nos quais cada freguês controla sua navegação voyeurista. Sobre cada um está também uma câmera com controle remoto que ameaça, como uma espada de Dâmocles, a cabeça dos xeretas. Permite, ainda, os assanhamentos exibicionistas da turba. Na noite que ISTOÉ acompanhou as atividades no bar, uma mocinha – aparentemente de boa família – cometia atos impensados e impublicáveis com os auriculares do interfone para atrair a atenção da rapaziada. Enquanto isso, um garotão de olhos esbugalhados estava hipnotizado pelas imagens em sua telinha: um foco no colo dos seios de uma loiraça. Ah! Além da sacanagem, os controles servem também para pedir bebidas às garçonetes. E a proliferação de close-up de bêbados era o suficiente para servir de campanha publicitária aos Alcoólatras Anônimos.

Mas é preciso cuidado: quem entra no Remotelounge já está sob a vigilância das câmeras. Sua imagem pode ir direto para o telão – sendo distorcida pelos VJs (controladores de imagens e som ambiente) – ou para as telinhas a serem conferidas por interessados. Ninguém escapa ao sistema Big Brother. E o pior é que, em alguns casos, a figura vai parar direto no website da casa, o que é capaz de levar esposas ou maridos a dar flagras em cônjuges que supostamente deveriam estar no dentista.