29/06/2002 - 10:00
Bernardo Ajzenberg é capaz de apropriar-se do mundo apenas com as palavras. Em seu quinto livro, A gaiola de Faraday (Rocco, 132 págs., R$ 18,50), ele reincide no universo paulistano para contar a história de um homem que precisa se distanciar da sua família como forma de se aproximar dela. Desempregado e desplugado da sociedade convencional, Enzo, 50 anos, troca o aconchego do lar pelas ruas de São Paulo, onde irá comer o pão que o diabo amassou. Mas a tragédia acaba se transformando numa lufada de liberdade quase inexplicável. E a compreensão desta disparidade é a salvação pela bizarria que o cerca e na qual se inclui.
Gaiola de Faraday é uma espécie de rebatedor de pára-raios. O termo se encaixa com perfeição à idéia de proteção e prisão que Enzo estabelecera para ele e sua família. Onde houver a palavra gaiola haverá o sentido de cárcere. Na sua visão, a casa que queria manter longe das intempéries da vida desmoronava diante de seus olhos. Contudo, somente já auto-exilado ele pôde perceber tanto as escaramuças da mulher insatisfeita e infiel a ponto de manter um romance com o próprio cunhado como o homossexualismo enrustido do filho, que namora um garoto de programa. Numa reiteração coercitiva, então, Enzo conhece uma dentista e recria outra célula familiar, diferente, sem aparadores, mas igualmente ameaçada. A força desta nova obra do também jornalista e atual ombudsman do jornal Folha de S.Paulo está no entrelaçamento dos conflitos que ressoam para muito além do livro. Ajzenberg é um autor que investiga e dialoga com seus personagens de forma incansável, assim como sua narrativa enxuta cuja realidade surge quase sem concessões.