19/06/2002 - 10:00
Parece brincadeira de ginásio, mas, após ouvir a execução de seus concertos, Richard Strauss costumava ir até o camarim e enfiava a mão sob as axilas do maestro. Se estivesse molhada, o chamava de amador. Até hoje, quando o assunto é o regente da orquestra, há quem afirme – e de cadeira, porque músicos de sinfônicas tocam sentados – que não há ofício no qual um impostor possa entrar com maior facilidade. No entanto, poucas profissões são tão incensadas. Herói dos heróis, ser a quem se atribui a capacidade de desencadear tempestades ou disseminar a paz com um simples gesto, a categoria e a vida de seus mais célebres representantes é agora dissecada em O mito do maestro – grandes regentes em busca do poder (Civilização Brasileira, 504 págs., R$ 50), do crítico inglês Norman Lebrecht. O autor de When the music stops, em que vaticinou o fim da música erudita para fins comerciais, chega a apontar Beethoven como o culpado pelo surgimento do mito ditatorial ao criar peças cada vez mais complexas que exigiam orquestras cada vez maiores. Surdo, atrapalhado e exageradamente emotivo, o compositor alemão tornou suas obras incômodas demais para serem executas sem uma direção.
Em seu ensaio, Lebrecht dedica um capítulo inteiro à inclinação nazista de Herbert von Karajan e passeia pela vida e obra de gênios do porte de Gustav Mahler, Arnold Schoenberg, Claudio Abbado e Leopold Stokowski, só para nomear alguns. Também se debruça sobre casos como o da feroz e canibalesca Filarmônica de Viena que, entre outros feitos, demitiu Mahler. Depois de glorificar as últimas estrelas da batuta, Lebrecht encerra sua tese apontando a crescente ascendência dos administradores dos teatros sobre os diretores musicais, selando,
assim, o ocaso dos regentes solares. É uma enxurrada de dados elegantemente alinhavada que – ao enfocar a vaidade de alguns
músicos – lembra um pensamento evocado pelo escritor inglês Aldous Huxley: “A música é a segunda melhor forma de se exprimir o inexprimível. A primeira é o silêncio.”