Cruzar uma porteira é deixar para
trás o ritmo louco da cidade, com
seus horários, compromissos e engarrafamentos. Do outro lado da cerca, um Brasil rural cheio de charme e encanto convida os turistas a descobrir o cotidiano acolhedor de um mundo diferente, onde árvores centenárias dividem a paisagem com toda sorte de animais, onde homens de camisa xadrez se acomodam ao redor do fogão a lenha para prosear e tocar viola, onde mulheres se esmeram no preparo dos melhores quitutes e transformam velhas casas de fazenda nas mais deliciosas pousadas. Cada pequeno detalhe e cada tradição regional tornam mais rico e pitoresco o vasto mapa do turismo rural no Brasil, modalidade que cresce a cada ano e responde, hoje, por 30% do faturamento nacional do setor, segundo dados da Organização Mundial do Turismo (OMT). Na América Latina, o País é o terceiro em número de estabelecimentos e o segundo em número de leitos disponíveis no campo, com cerca de 5,5 mil camas distribuídas em 350 empreendimentos. Posição confortável para uma nação que só descobriu o turismo rural há menos de 20 anos. Pouco, no entanto, considerando-se o potencial de desenvolvimento de roteiros nos 8,5 milhões de km2 do território.

No intuito de despertar a atenção de empresários e criar um espaço de discussão de tendências e oportunidades, a Associação Brasileira de Turismo Rural (Abraturr) promoverá em São Paulo, entre 16 e 19 de setembro, a primeira Feira Nacional de Turismo Rural (Feiratur). O evento, que conta com o apoio do Sebrae e do Ministério do Turismo, reunirá representantes de destinos turísticos, de hotéis-fazendas e pousadas do campo, produtores locais de artesanato e agroindústria, além de agentes e operadores. “A comercialização é o principal gargalo do setor no Brasil. Em países como Argentina e Chile, os roteiros são divulgados e vendidos pela internet e muitas operadoras investem em destinos do campo. Aqui, a comercialização é feita quase exclusivamente pelos próprios proprietários”, diz Paulo Junqueira, da Abraturr em São Paulo. “Nosso maior objetivo este ano é incentivar o associativismo e atrair operadoras para minimizar esse problema. Também estamos elaborando a edição de um guia de turismo rural”, adianta.

Junqueira chama a atenção para o fato de que estabelecimentos de turismo rural não são apenas hotéis e pousadas localizadas em fazendas. Um alambique ou um engenho aberto à visitação, um pesque-pague ou uma empresa especializada em organizar cavalgadas, mesmo que não ofereçam hospedagem, também são destinos turísticos. Por isso a importância de se criar roteiros temáticos que, espalhados pelo País, integrem diferentes produtos em uma mesma viagem. Participar de uma cavalgada de lua cheia durante a noite na região de Itu, no interior de São Paulo, conhecer o processo de cultivo e fabricação de cacau no sul da Bahia, passar uma semana hospedado em uma vinícola na Serra Gaúcha ou um feriado prolongado em um rancho de pesca no Mato Grosso são algumas das mais de 100 opções de roteiros rurais já consolidados ou em formatação no País.

Na proposta do Ministério do Turismo, explicitada no documento “Diretrizes para o desenvolvimento do turismo rural brasileiro”, publicado no ano passado, a modalidade é definida como “o conjunto de atividades turísticas desenvolvidas no meio rural, comprometido com a produção agropecuária, agregando valor a produtos e serviços, resgatando e promovendo o patrimônio cultural e natural da comunidade”. Dessa forma, engenhos centenários do interior de Pernambuco e os paredões rochosos da Serra Geral, em Santa Catarina, passam a ser tão valorizados quanto a cachaça, as compotas, a rapadura, os queijos, os embutidos e o vinho produzidos nessas fazendas, abertas ao turismo. O ponto forte é, acima de tudo, a diversidade: onde quer que o viajante procure, encontrará calma, beleza e poesia. “O mundo rural possibilita um turismo ócio-criativo calcado na tradição, no imaginário. Cada rota tem suas peculiaridades, uma determinada paisagem, atividades agrícolas características e um tipo específico de sertanejo, de caipira”, diz a agrônoma paulista Andréia Roque, diretora da Abraturr e professora de turismo rural no Senac.

Especializada na formatação de roteiros, Andréia afirma que eles estão espalhados por todo o País. Alguns deles foram seguidos por ela e pelo fotógrafo Pisco Del Gaiso para a elaboração do livro Turismo rural brasileiro: região Sudeste, lançado pela editora Turismo de Campo. A partir de agora, a autora pretende se debruçar sobre as demais regiões do País e dar continuidade à série. Algumas opções com infra-estrutura e conforto foram selecionadas pela reportagem de ISTOÉ como sugestões de passeios para as férias de inverno (leia quadros).

A procura por férias na roça é um fenômeno relativamente recente no Brasil, e acompanha a transição da maioria da população para a zona urbana. Vinte anos atrás, a maior parte das pessoas ainda vivia no campo. Por isso, o litoral tornava-se a escolha natural daqueles que podiam viajar nos dias de folga. Naquela época, a primeira tentativa bem-sucedida de se organizar um modelo de turismo rural estruturado começava a acontecer em Lages, no interior de Santa Catarina, ainda hoje conhecida como Capital Nacional do Turismo Rural, com quase mil leitos distribuídos nos hotéis-fazendas de seu entorno. No momento em que mais da metade da população se urbaniza, marcadamente na década de 90, a busca pelas raízes e por ambientes agrários se intensifica e ganha status de atração turística. “São duas as principais razões para a expansão do turismo rural. A primeira é a necessidade de o produtor rural diversificar sua fonte de renda. A outra é a vontade de fugir do stress das grandes cidades e resgatar valores de nossos avós. Não importa a origem, todos os nossos antepassados trabalharam na terra”, avalia o secretário de políticas do Ministério do Turismo, Milton Zuanazzi. Ele cita dados da Organização Mundial de Turismo que apontam uma estimativa de crescimento de 20% ao ano na oferta de empreendimentos no Brasil. “Essa valorização se repete hoje no mundo todo. As cidades estão ficando todas parecidas umas com as outras. O campo é diferente, resguarda a identidade cultural de um povo, principalmente em países com a nossa vocação agrícola”, diz.

A necessidade de diversificar a fonte de renda do produtor rural a que Zuanazzi se refere também serviu de estalo para que o Sebrae tornasse a promoção de empreendimentos turísticos no campo uma de suas prioridades. No Programa Sebrae de Turismo, elaborado no ano passado, há uma lista de compromissos, como estimular a criação de novos produtos turísticos, promover sua adequação tecnológica, consolidar roteiros, divulgar programas de acesso ao crédito e incentivar o associativismo. “Mais de 90% das empresas de turismo no Brasil são de pequeno e microporte. O Sebrae estabelece parcerias para incentivar o desenvolvimento local e sustentável”, explica a consultora do Programa de Turismo da entidade, Ilma Lopes. “O mais importante é contribuir para que a população local se orgulhe das coisas que produz, seja no artesanato, seja na gastronomia. Com maior auto-estima, essa população passa a valorizar o espaço rural e a criar alternativas de renda indispensáveis em uma época de escassez de emprego, reduzindo, inclusive, o êxodo para as cidades”, diz. Ganha quem está no campo e também os que vivem nas cidades, que têm cada vez mais opções para dar uma escapadinha e mergulhar na vida na roça. O rito de passagem exige apenas um chapéu de palha.