Em 1994, quando era líder nas pesquisas eleitorais entre candidatos à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva foi a Nova York, no Plaza Hotel, para falar a uma platéia de 1.500 empresários americanos. Naquela ocasião, disse que iria renegociar a dívida externa brasileira e prometeu protecionismo aos produtos brasileiros. Os convidados saíram do encontro horrorizados, imaginando um futuro calote da dívida e fechamento do mercado. Com um único discurso desastrado, Lula empurrou para os braços do seu rival na corrida presidencial toda aquela massa capitalista. Fernando Henrique Cardoso lançou sua candidatura após esse episódio e foi recebido como o messias pelo empresariado e economistas dos Estados Unidos. Na semana passada, com público menor – cerca de 700 – e num hotel muito melhor (o Waldorf Astoria), o presidente Lula falou sobre seu programa econômico e a visão que tem para o Brasil. Garantiu que o País se tornou um “ator importante no mundo globalizado”, pregou o livre comércio entre as nações – pedindo a redução de subsídios agrícolas de governos como o americano – e disse que seu governo lançou as bases sólidas para um crescimento sustentável. Foi aplaudido e conseguiu cumprir a meta do seminário divulgando oportunidades de investimentos no Brasil. A única possível gafe, nesta oportunidade, ocorreu quando o presidente garantiu aos empresários que havia dado instrução a seus ministros para responderem a todas as perguntas dos convidados nas reuniões que seguiram o almoço. Ele disse: “Não há pergunta que não tenha resposta. Se não tiver resposta é porque não tem resposta.”

A diferença entre o Lula de 1994 e o de 2004 é que o anterior era um ingênuo
e o segundo é um homem de negócios. Cercado por seus ministros Antônio
Palocci (Fazenda), Guido Mantega (Planejamento) e Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento), o presidente procurou cativar a platéia, registrando os
números favoráveis da economia do País. Além disso, falou a frase mágica, que faltou no discurso de 1994, e que é capaz de abrir a carteira de investidores: “Não estamos em meio a uma pequena aventura ou reinventando a roda… As regras do jogo serão mantidas, não vão mudar de uma hora para outra.” O recado foi entendido. “O que mais assusta um investidor é a instabilidade nas regras que permeiam os negócios. Não dá para investir onde as regras não são respeitadas. O Brasil parece que compreendeu isso e tem mantido sua postura”, disse Haim Bar-Ziv, vice-presidente executivo do IDB Bank.

Exportação – A tarefa de arrancar dinheiro de investidores estrangeiros tem sido árdua. O fluxo de capital externo para o Brasil teve queda acentuada. No mês passado, os investimentos ficaram em meros US$ 207 milhões, quando a média mensal estimada para este ano pelo BC é de US$ 1 bilhão. “O que tem compensado é o bom desemprenho das exportações. A balança comercial teve um superávit de mais de US$ 11 bilhões”, disse o ministro Furlan. De todo modo, a expectativa do governo é que esse tipo de encontro com empresários – que já ocorreu com europeus, asiáticos e árabes em outras viagens presidenciais – abra o caminho para maiores negócios no País. Lula anunciou, por exemplo, a criação de
uma “sala de situação” – que vai funcionar no Palácio do Planalto e servirá como centralizadora de todas as autarquias pelas quais um empresário estrangeiro deve passar quando procura investir no Brasil. Com medidas como essa e mais a reforma da lei das falências – que dará maiores garantias aos investidores –, o governo espera captar US$ 20 bilhões de investimentos diretos anualmente. No Waldorf Astoria, também falou-se no programa de Parcerias Público-Privadas (PPP) – cujo projeto de regulamentação está empacado no Congresso, diga-se – há planos de forjar sociedades entre o Estado e o setor privado para investimentos em infra-estrutura no País. A idéia é atrair US$ 100 bilhões de investimentos na área, nos próximos quatro anos.

Nem todos, porém, compram a idéia. Haim Bar-Ziz, por exemplo, diz que sua instituição prefere não investir na área de infra-estrutura. “São investimentos
de grande porte e com retorno a longo prazo. Preferimos investir no setor
produtivo que exporta”, disse. Já o diretor-geral do Banco da China nos Estados Unidos, Bailin Zheng, diz que seu país tem muito interesse no PPP, mas o dinheiro de seu banco não sairá tão cedo. “As regras na área ainda não foram firmadas. Existem muitos entraves e é preciso definição formal para essas parcerias. Depois disso, acredito que investimentos chineses irão para o Brasil”, disse o diretor do maior banco de negócios da China. Ann Stevens, vice-presidente da Ford para a América Latina, no discurso em que saudou o presidente, durante o almoço, reclamou dos altos impostos para as vendas dos veículos. “O consumidor brasileiro paga duas vezes mais impostos do que os franceses e cinco vezes o que pagam os americanos.” Mesmo assim, Stevens anunciou a criação de mais um turno de produção na fábrica de Camaçari (BA), o que deve gerar um aumento de mais de dois mil novos empregos.

Juros – O timing deste evento no Waldorf Astoria não foi lá muito feliz. Recentemente, o Fed – o Banco Central americano – anunciou o primeiro aumento das taxas de juros depois de longa temporada de baixas. Isso significa que os investidores terão mais incentivos para manter seu capital nos Estados Unidos. Há também a percepção de que a economia americana está melhorando – o Fed aumentou as taxas de juros como prevenção a uma futura bolha inflacionária, já que os consumidores estão voltando a gastar. Indagado sobre essa questão, o secretário do Tesouro americano, John Snow – que teve encontro reservado com o presidente Lula e o ministro Palocci –, disse: “Nós estamos ficando cada vez mais fortes, com crescimento e aumento nos lucros das empresas. Vamos olhar para novas oportunidades. O investimento ocorre onde o capital é respeitado de modo irrestrito, e isso está acontecendo no Brasil.” Na realidade, sabe-se, essas premissas estão longe de ocorrer, com o capital ficando em Wall Street. Falando com exclusividade a ISTOÉ, o secretário Snow também comentou sobre a Alca. Perguntado se – como anunciou o presidente Lula – a criação de uma zona de livre comércio envolvendo toda a América do Sul, com um acordo entre o Mercosul e o Pacto Andino, não enfraqueceria a posição americana nas negociações da Alca, Snow disse: “Não importa se a zona de livre comércio comece de baixo para cima, a partir da Patagônia, ou de cima para baixo, desde o Alasca. O importante é que as barreiras comerciais estão sendo quebradas, e em breve teremos o livre comércio em todas as Américas. Quanto à participação dos Estados Unidos nesse processo, o próprio presidente Lula disse bem que nós somos duros na negociação e ele nos admira por isso. Prometeu que o Brasil seguiria essa postura nossa. Mas também lembrou que podemos ter divergências, mas elas são negociáveis e é possível chegar a um consenso. Os Estados Unidos são o maior parceiro comercial do Brasil e continuaremos tendo este bom relacionamento.”

Além da agenda comercial, o presidente Lula ainda teve encontros políticos na Organização das Nações Unidas. Na quinta-feira 24, ele participou do Global Compact Leaders Summit – onde falou sobre sua idéia de criação de um fundo internacional para erradicar a miséria global. Também se reuniu reservadamente com o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e depois com os diretores do jornal The Wall Street Journal, que planejam matéria grande com o presidente. O The New York Times mandou repórter ao seminário, mas não publicou nada sobre o evento. Talvez porque durante o almoço o presidente não tenha tomado uma única gota de álcool. Ele e os demais 700 comensais só beberam água.