A violência no Brasil tem componentes de drama, covardia e aberração muito maiores do que a indignação provocada pela crescente escalada da criminalidade urbana pode esconder. Quando o inimigo está sob o mesmo teto, o sentimento
de impotência é ainda maior do que cruzar com um trombadinha numa rua escura. Os números são assustadores: em 2003, 87 mil pessoas foram atendidas nas delegacias de São Paulo, apenas contabilizando os casos de lesão corporal. Somente no primeiro trimestre deste ano, mais 22 mil vítimas de agressão
e 21 mil que foram ameaçadas procuraram as delegacias paulistas. No Rio de Janeiro, foram outras 31 mil ocorrências. Vítimas da brutalidade de maridos, filhos, pais, namorados… Todo dia uma mulher é assassinada pelo companheiro. A violência doméstica é, sim, um caso de polícia e, consequentemente, de cadeia.

Com que direito um homem de classe média, com nível universitário, bem empregado, esmurra a mulher num ataque de fúria? Ou mesmo um morador
de favela desempregado? A foto de Carlos Magno que abre a reportagem de
capa desta edição – de autoria de Ricardo Miranda – mostra o olhar de espanto,
dor e indignação de Carmem, 19 anos, que apanhou do pai depois de lhe pedir
R$ 5. Ela e outros milhares de mulheres que são agredidas todos os dias têm
agora mais um instrumento no combate a esses monstros que dormem na mesma cama ou no quarto ao lado. Uma nova lei, sancionada pelo presidente Lula, inclui a violência doméstica no Código Penal como um crime específico, com pena de até um ano de cadeia. É um bom início.

A punição e campanhas de conscientização podem ser bons instrumentos
para aliviar a situação de mulheres e crianças que vivem sob o domínio do
terror, assustadas com a presença daqueles que deveriam lhes dar amor,
e não ódio gratuito.