13/06/2002 - 10:00
Mapeamento genético, lasers, câmeras e testes computadorizados. A tecnologia tem dado à medicina suporte para que os procedimentos nos pacientes sejam rápidos, práticos e indolores. Pena que essa máxima ainda não valha para tudo o que é feito. Muitas das intervenções ainda implicam uma enorme sensação de desconforto, dores e outros incômodos que estão mais para Idade Média do que para século XXI. Uma simples visita ao consultório de um otorrinolaringologista, por exemplo, pode se transformar em tortura. Procedimentos realizados por outros especialistas, como proctologistas e urologistas, também dão arrepio só de pensar. Mas felizmente começam a surgir alternativas para aliviar o sofrimento.
Um exemplo são os novos modelos de aparelhos de ressonância magnética, uma das mais avançadas formas de diagnóstico por imagem. Os equipamentos originais são assustadores. Eles são compostos por uma maca, que entra em um tubo fechado de quase dois metros de comprimento. É lá dentro que fica o doente, sem poder se mexer durante o tempo que durar o exame – em média 30 minutos. Não dói. Nada toca o paciente, mas a sensação de estar “enterrado” apavora. Para se ter uma idéia, um estudo americano mostrou que 2% das pessoas que chegam à sala do exame de ressonância não conseguem entrar na máquina. Puro pânico. “Não são, necessariamente, pessoas com claustrofobia. Chamamos essa reação de ansiedade claustrofóbica, gerada pelo nervosismo na hora de fazer o exame”, explica Renato Caggiano, responsável pelo Serviço de Imagem do Diagnósticos da América, grupo do qual fazem parte os laboratórios Lamina, no Rio de Janeiro, e Delboni Auriemo, em São Paulo.
Para diminuir a sensação claustrofóbica, foram criadas algumas opções. A primeira é um aparelho cujo tubo é mais curto para que o paciente não fique todo coberto. Também há a chamada ressonância em campo aberto. Nesse caso, o equipamento possui aberturas laterais. E existe ainda uma alternativa só para examinar as extremidades – coloca-se somente a mão ou a perna para ser avaliada, sem a necessidade de entrar inteiro dentro do tubo. Disponíveis em alguns laboratórios e hospitais brasileiros, esses recursos são a prova de que alguém está pensando no conforto. “A tendência é a de que o exame fique mais confortável, tanto para as pessoas que não aguentam entrar na máquina como para obesos que não cabem nela”, garante Caggiano.
Nos consultórios, também é possível sentir um esforço para aliviar pelo menos o nervosismo, já que a dor do procedimento muitas vezes será inevitável. Vários médicos estão investindo nessa atitude. “Se cada sensação for explicada ao paciente, elimina-se o susto e os incômodos acabam sendo bem menores”, afirma a otorrinolaringologista Patrícia Santoro, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Na sua especialidade, Patrícia tem mesmo muito o que explicar. A otorrinolaringologia trata dos problemas do nariz, ouvido e garganta, locais extremamente delicados. Por isso, quase todo procedimento acaba sendo desagradável.
Um deles assusta já pelo nome: fibronasofaringolaringoscopia. Trata-se de um exame feito com uma fibra ótica flexível acoplada a uma câmera que entra pelo nariz e avalia o funcionamento do nariz, da faringe e da laringe. Percorre tudo isso, é verdade que com anestesia tópica no nariz, e, quando necessário, também na garganta. Outros instrumentos também são detestados. É o caso da pinça, chamada de jacaré pelos médicos, que retira corpos estranhos do canal auditivo – àrea muito sensível – e os aspiradores de secreção nasal e de ouvido. Este último faz um ruído enlouquecedor. “Pacientes dizem que o barulho é tanto que parece que um avião passou na cabeça”, conta Patrícia. Há ainda os telescópios rígidos de laringe e nariz. “Esses instrumentos são usados para avaliação minuciosa da anatomia da laringe e do nariz. A investigação da laringe pode até ser feita com anestesia local, mas, mesmo assim, causa desconforto. Sem anestesia, esse exame dá reflexo de vômito e, com sedação, as pessoas ficam aflitas porque parece que não se está respirando”, diz a médica. O engenheiro Cláudio Wilberg, 34 anos, sabe o que é sofrer na cadeira da doutora. Ele fez uma cirurgia para corrigir o septo nasal – estrutura que divide a cavidade do nariz. Passou bem pela operação. Duro mesmo foi encarar a retirada do curativo. Patrícia usou o espéculo nasal, utilizado para abrir a asa do nariz, e depois uma pinça para tirar o curativo. “Quando ela o puxou, achei que minhas orelhas estavam saindo junto”, lembra. “Ela só tem cara de boazinha”, brinca Wilberg, que, apesar do sofrimento, elogia a competência da médica.
O coloproctologista Fábio Atui, do Hospital das Clínicas de São Paulo, é outro que tem estratégias para não assustar demais os pacientes. Ele sabe que os doentes costumam entrar em pânico quando são obrigados a procurar alguém de sua especialidade, responsável pelo tratamento do cólon, reto e ânus. “É algo muito íntimo e por isso a confiança no médico é importante”, diz. Por esta razão, Atui vai devagar. Se perceber que a pessoa está muito nervosa na primeira consulta e não há emergência, ele marca o exame clínico para a próxima vez. E, na hora do procedimento, nunca deixa à vista instrumentos de arrepiar. O médico esconde, por exemplo, o anuscópio, que serve para examinar o canal anal e mede 10 cm, e o retosigmoedoscópio, utilizado para verificar as condições do reto, medindo nada menos do que 30 cm. “O exame não dói, mas o medo às vezes é grande e isso precisa ser respeitado. O importante é que as pessoas entendam que o diagnóstico correto e precoce pode
salvar vidas”, diz.
Esse argumento também é utilizado pelo urologista Marcelo Thiel, da Universidade Estadual de Campinas (SP), para convencer os homens a fazerem o exame de próstata, um dos mais temidos. A partir dos 45 anos, todo homem deve se submeter ao exame de toque retal e a um teste de sangue específico uma vez por ano. “Alguns têm tanto medo que já chegam perguntando se não podem fazer só o teste de sangue”, conta Thiel. “Cabe ao médico explicar que o diagnóstico precoce aumenta a chance de cura e o exame é indispensável”, afirma. Menos conhecida, a cistoscopia, procedimento que investiga as condições da bexiga através da uretra, também é responsável por muitos traumas. Esse exame pode ser feito com sedação, mas, em hospitais públicos e em alguns consultórios, a praticidade e o baixo custo predominam sobre a dor, e o caninho rígido de 30 centímetros e 5,6 de diâmetro, chamado uretrocitoscópio, entra pelo canal da uretra sem dó nem piedade. Nesse caso, também, para a alegria dos homens, a tecnologia deu sua mãozinha. Já existe um aparelho flexível que causa menos incômodo. Mas o melhor está por vir. Está em estudo a citoscopia virtual. “Ela acaba de vez com o desconforto. Nesse procedimento, faz-se a reprodução tridimensional no computador da imagem da uretra e da bexiga e investiga-se pela tela, sem a necessidade de inserir o uretrocitoscópio”, explica Thiel.
Outro avanço que beneficiará muita gente é um novo endoscópio, instrumento utilizado para analisar o aparelho digestivo. A versão tradicional exige que o exame seja feito com sedação, já que um tubo é inserido garganta abaixo. O problema é que o paciente fica sonolento. Por isso, deve estar acompanhado e não pode trabalhar no dia. O endoscópio criado por cientistas japoneses, porém, tem um terço do diâmetro do antigo. Dessa forma, dispensa anestesia e não causa tanto incômodo. A novidade foi estudada por Décio Chizon, chefe do Serviço de Endoscopia Digestiva do Diagnósticos da América. Ele fez uma pesquisa com 90 pacientes, dentre os quais 48 tinham feito a endoscopia com sedação e 42 nunca haviam passado pelo exame. Os doentes ficaram satisfeitos com a invenção. “Dos que tinham passado pelo procedimento convencional, 65% acharam o novo aparelho melhor do que o antigo e 83%, dos que nunca haviam feito, disseram que repetiriam o procedimento caso fosse necessário”, conta Chizon.
No entanto, apesar dos avanços, ainda existem médicos que continuam optando por procedimentos desagradáveis. É o caso dos profissionais que insistem na indicação do exame de curva glicêmica para pacientes com suspeita de diabete. Esse teste exige paciência e disciplina de monge. A pessoa fica de quatro a cinco horas com um cateter na veia para que, de tempo em tempo, seja feita uma pequena retirada de sangue. A justificativa é que dessa forma sabe-se a oscilação das taxas de açúcar de acordo com circunstâncias diversas. Mas hoje esse mesmo diagnóstico pode ser feito por meio de um exame de sangue normal, com apenas uma retirada. É por causa de situações como essas que Luiz Rosenfeld, vice-presidente do Diagnósticos da América, brinca: “Não é à toa que o nome dado ao doente é paciente. Tem que ter muita paciência mesmo”, diz.