A maioria dos desembargadores mais antigos do Tribunal de Justiça de São Paulo (chama-se Órgão Especial) demonstrou na quarta-feira 16 que é contra a lei que tipificou alguns crimes como “crime hediondo”. Fizeram isso ao não aceitar o argumento do Ministério Público que incluíra a qualificadora de “motivo fútil” na acusação contra o promotor Thales Ferri Schedl: ele é acusado de ter matado um rapaz na cidade paulista de Bertioga. Segundo o acusado, o moço que foi morto chamara a sua namorada de “gostosa”. E, segundo um dos desembargadores, um homem que tenha a sua mulher chamada de gostosa tem de reagir. A lei “não obriga ninguém a ser covarde (…) ninguém é obrigado a ouvir sem reação gracejo desse porte (gostosa)”. Sem o “motivo fútil”, o crime do qual o promotor é acusado deixa de ser hediondo e, assim, ele tem acesso a todos os benefícios legais – entre os quais o de responder ao processo em liberdade. Thales estava preso há 48 dias. Se for condenado, Thales também terá agora o benefício de passar do regime fechado para o regime semi-aberto após cumprir um sexto da sua pena. Se o “motivo fútil” fosse mantido, ele teria de cumprir dois terços da pena no regime fechado. Existem em São Paulo outros presos e presas que estão trancafiados e aguardando júri, também acusados de terem matado por “motivo fútil”, e a palavra “gostosa” é um dos frequentes motivos de ofensa e de crime. São eles e elas acusados e acusadas de “crime hediondo”. Agora, quando os seus recursos desembarcarem no Tribunal de Justiça, com certeza esses presos e essas presas também terão o direito de ser desqualificados da acusação de “crime hediondo”. Os desembargadores deram um importante passo na luta que parte da sociedade trava contra essa esdrúxula figura do “crime hediondo”, ao entenderem que alguém que tenha a sua esposa chamada de “gostosa”, e eventualmente mate o engraçadinho, poderá responder ao processo em liberdade e não será processado por “crime hediondo”.