O relógio marcava 23h 24 minutos e 58 segundos na bela e fria noite de sábado 25 em Florianópolis. Havia pelo menos dez horas que o cearense Adriano Accioly, 37 anos, travava uma brutal e dilacerante luta contra seus limites. Naquele momento, pouco menos de 50 pessoas o esperavam na linha de chegada do Ironman Brasil, a prova em que os atletas são submetidos a inacreditáveis 3,8 km de natação, 180 km de bicicleta e 42.195 metros de corrida.

A competição teve o apoio de ISTOÉ e garantiu 50 vagas para a prova do Havaí, a Copa do Mundo do esporte. Desde o quilômetro 60 do ciclismo, o representante comercial brigava contra insuportáveis dores em seu joelho direito. “O japonês iria me passar. Eu não deixei. Quem mora na lagoa não perde pra sapo de fora”, dizia, enquanto era atendido por dois massagistas, minutos após o final de sua via-crúcis. O tal japonês era o senhor Naohiro Otani, 66 anos, o último colocado da disputa. Assim que cruzou a linha, o mirrado nipônico foi levado às pressas ao hospital Celso Ramos. O tempo da dupla de retardatários foi maior do que o dobro da marca do inglês Spencer Smith, o vencedor da competição. Entre as mulheres, a alemã Nicole Leder ficou com a taça. Fernanda Keller, a melhor triatleta brasileira, chegou em terceiro.

Atletas dessa modalidade costumam ultrapassar seus limites. Mas especialistas contestam este tipo de postura. Questionam até se o Ironman pode ser chamado de esporte. “Parece que a máxima ‘sem sofrimento não há vitória’ vem sendo adotada por cada vez mais gente. Está se ultrapassando o limite fisiológico do corpo. Querem que ele aceite uma carga para a qual não foi projetado”, alerta o médico Moises Cohen, chefe do centro de traumatologia do esporte da Escola Paulista de Medicina.

Mas o sofrimento não é só aquele produzido pelos limites do organismo. O paulista Renato Dantas chegou em 11º lugar e foi o brasileiro mais bem colocado no profissional masculino. Motivo para felicidade? Não para alguém que encara um Ironman por dia. “Recebo dos meus patrocinadores R$ 200 por mês. Quando vou competir tenho que pedir ajuda aos comerciantes da minha cidade. Vou esperar o Ironman do Havaí. Se nada mudar depois dele, vou pensar no futuro”, diz o paulista de Rio Claro. Realidade bem distinta do seu colega de prova, o empresário João Paulo Diniz. No primeiro triatlon desde o acidente de helicóptero no qual morreu sua namorada, a modelo Fernanda Vogel, o herdeiro do Grupo Pão de Açúcar não terminou a competição.