Os vinhos finos brasileiros ainda têm um bom caminho pela frente até atingir o nível dos europeus, australianos ou chilenos. Mas nas duas últimas décadas os produtores da Serra Gaúcha e do vale do rio São Francisco reduziram parte dessa distância com investimentos em tecnologia e um trabalho sério no tratamento das parreiras. E, melhor de tudo, a natureza está fazendo a sua parte. O Brasil teve até hoje três safras excepcionais, em 1999, 2002 e 1991, esta última considerada a melhor da história. A boa nova é que a safra de 2004 no Sul do País, que acaba de ser colhida, deverá render os melhores vinhos brasileiros de todos os tempos, superiores até mesmo aos da badalada colheita de 1991. Alguns brancos, espumantes e tintos leves deste ano já chegaram ao mercado. Mas quem aprecia os tintos mais encorpados deverá esperar pelo menos até o final do ano.

Um bom vinho é o resultado da soma de frutos devidamente amadurecidos, tecnologia de ponta, equipamentos adequados e interferência inteligente do produtor. No primeiro e mais importante quesito, a qualidade do fruto, o clima ajudou. A uva precisa de chuva logo após o nascimento e muito sol na colheita, feita de janeiro a 15 de março. Em janeiro e fevereiro de 2004, o sol brilhou 521 horas na Serra Gaúcha, 91 horas a mais do que a média histórica. No mesmo período, choveu apenas 11 dias, a uma média diária de 231 mm, ou litros por metro quadrado de terra. Na safra de 2003, por exemplo, foram 28 dias a uma média de 472 mm diários. Tudo isso ajuda o fruto a concentrar mais açúcar, que se transforma em álcool natural na fermentação. Vinhos com alto teor alcoólico são mais aptos a ganhar corpo, reunir aromas complexos e envelhecer melhor.

Os resultados deixaram muita gente empolgada. “Eu e mais de 800 produtores e funcionários caminhamos até aqui para pagar uma promessa e agradecer muito”, explica Hermes Zanetti, diretor-superintendente da Cooperativa Vinícola Aurora, a maior produtora de vinho do País, com mais de 1.300 associados. Além de festejarem a safra, estavam cumprindo a promessa de caminhar os 25 quilômetros que separam Bento Gonçalves do santuário de Nossa Senhora de Caravaggio, em Farroupilha, depois de conseguirem equacionar uma dívida de mais de R$ 127 milhões. “A gente merecia respirar aliviado”, comemora o produtor de uvas Waltércio Carraro, bisneto de um dos 16 camponeses que se uniram para fundar a Aurora em 1875. “Ainda que a safra de 2004 fique um pouco abaixo da de 1991, o que não deverá ocorrer, a gente tem condição de tirar a diferença na mão, pois hoje temos mais tecnologia e conhecimento”, atesta o produtor João Valduga. “Tudo indica que causaremos surpresa”, aposta Ivo Pizzato, enólogo da vinícola que leva o nome da família e, na opinião de muitos pesos pesados da enologia, produz o melhor Merlot da Serra Gaúcha. É bom ressaltar que, na suprema maioria dos casos, a vocação dos tintos e brancos finos locais ainda é competir na faixa de mercado que vai até os R$ 30. São vinhos agradáveis mas ligeiros, de corpo médio, menos alcoólicos do que os chilenos e sem poder para grandes guardas. Já os bons espumantes, mais valorizados, podem atingir os R$ 45. “O Brasil tem cacife para competir no mercado de espumantes com nariz empinado”, brinca Daniel Geisse, gerente da Cave de Amadeu, que fabrica o melhor espumante brut brasileiro, segundo os críticos. A briga continua pesada – 70% dos vinhos e 30% dos espumantes abertos no País são estrangeiros. Mas, como se vê, vale a pena procurar melhorar para competir