29/05/2002 - 10:00
Os índices de cesariana no Brasil estão entre os mais altos do mundo. Em maternidades particulares, eles chegam a 70% dos partos realizados. Havia algumas explicações: os médicos preferem a cesárea por comodidade, já que marcam a hora da operação em vez de acompanhar a paciente em um trabalho de parto normal que pode durar cerca de 12 horas. E as mulheres optam pela cirurgia por medo das dores. Dois estudos concluídos recentemente, no entanto, mostram que, na realidade, os altos índices de cesariana contrariam a vontade de boa parte das mães e os motivos que levam
os obstetras a escolher a cirurgia vão além
da praticidade.
Uma das pesquisas, publicada no respeitado British Medical Journal, foi coordenada pelo Núcleo de Estudos Populacionais da Universidade de Campinas (SP). Os demógrafos entrevistaram 717 mulheres em hospitais públicos e 419 em maternidades privadas no início da gravidez, no meio e um mês antes do nascimento. “Cerca de 70% a 80% preferiam o parto por meio vaginal”, diz a demógrafa Maria Célia de Carvalho Formiga, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que participou da pesquisa. Uma das razões alegadas para essa preferência foi a de que a recuperação seria mais rápida e porque o parto normal não é uma cirurgia. Além disso, as mulheres disseram que a ausência do corte feito para a cesariana facilita os cuidados com o bebê nos dias seguintes.
Chegada a hora do parto, entretanto, o desfecho não obedeceu à vontade das parturientes: 72% das pacientes do setor privado e 31% do serviço público foram submetidas à cesariana. Muitas nem sequer passaram pelo trabalho de parto (contrações que causam a dilatação do canal vaginal para a saída do bebê). O estudo levantou hipóteses para explicar tantas cesáreas. Além da necessidade dos médicos de abreviar as esperas prolongadas, haveria um entrave na relação médico-paciente. “Muitas mulheres contaram que o médico não havia perguntado a elas nada sobre o tipo de parto que preferiam. Muitas vezes, só ficavam sabendo que o bebê nasceria por cesariana na hora do parto”, conta Maria Célia.
O outro estudo investigou justamente as razões que levam os médicos a optar pela cesárea. Ele foi feito pela obstetra Sandra Dircinha Araújo, do Ambulatório e Maternidade Campo Limpo, em São Paulo. Ela descobriu outros problemas, além da falta de paciência para esperar as contrações. Geralmente os médicos não contam com uma enfermeira obstétrica para observar o trabalho de parto e acionar o especialista pouco antes do nascimento. Porém, há uma outra explicação – e essa, sim, surpreende. “Os médicos sentem muita insegurança em conduzir até o fim um parto natural e enfrentar possíveis imprevistos, como sangramentos ou aceleração dos batimentos cardíacos do bebê. Por isso, preferem se cercar de tecnologia. Os que defendem esse ponto de vista consideram
a cesárea mais segura”, diz a obstetra Sandra, há mais de duas décadas ligada a programas não-governamentais de saúde sexual e reprodutiva
da mulher.
Uma das consequências dessa atitude é que a mulher pode ser obrigada a lutar pelo direito ao parto normal. Foi o que aconteceu com a funcionária pública Roseni da Silva, 32 anos. Ela teve três filhos por parto normal, e chegou a discutir com um médico que queria realizar a cesariana. “Em uma das vezes, esperei 12 horas, mas valeu. Gritei, chorei, mas foi emocionante, e o corpo se recuperou rapidamente”, afirma. É claro que há situações nas quais a cesariana é a melhor indicação. “Algumas mulheres entram em trabalho de parto com pressão arterial elevada, ou então há um descolamento de placenta, entre outros problemas. Nesses casos, a cesariana é uma opção importante para garantir o conforto do bebê e da mãe”, explica o obstetra Roberto Theodozio, de Florianópolis. A advogada Márcia Motta Gadelha, de São Paulo, embora sonhasse com o parto normal, deu à luz Isabella, hoje com um mês e meio, por cesariana. “Minha médica disse que eu tinha pouco líquido amniótico e aceitei fazer a cirurgia para facilitar o nascimento”, conta.
Quando quiser ter outro filho, dependendo do médico escolhido, Márcia corre o risco de ser desaconselhada a tentar novamente o parto normal. Alguns especialistas acreditam que os cortes da cesariana tornam os tecidos internos mais flácidos, o que dificultaria o trabalho de parto normal. Theodozio discorda, com apoio da artista plástica Leda Catunda, de São Paulo. Há 12 anos, para ter sua primeira filha, Rita, ela esperou 11 horas por um parto normal, mas as contrações pararam e não havia dilatação suficiente para a saída do bebê pelo canal vaginal. A médica de Leda decidiu então pela cesariana. “Minha filha demorou porque estava enrolada no cordão umbilical e iria sofrer. A médica agiu certo”, aprova Leda. Há cinco anos, Leda teve outra filha, Iara, dessa vez pelo parto natural, com a ajuda de Theodozio. “Os médicos precisam devolver o direito do parto aos casais. Ter um filho de maneira natural estimula a formação dos vínculos afetivos entre a mãe, o pai e a criança que acaba de nascer. E isso é para a vida inteira”, garante.