Na noite de 4 de março deste ano, os agentes da Polícia Federal deram uma batida no edifício onde mora o empresário Antônio Carlos Chebabe, no centro da cidade de Campos, município petrolífero no norte fluminense. No apartamento da cobertura, a polícia encontrou Chebabe, conhecido como o “Dono de Campos”, na cama ao lado da esposa. Mal sabiam que ali, de pijama, estava um capo do crime organizado, responsável por adulteração e sonegação milionárias de combustível. Um homem que utilizou todas as artimanhas para se dar bem. Para sonegar ICMS, dizia que levava combustível para o Espírito Santo – onde o imposto é menor –, quando, na verdade, o destino era a cidade de Campos. Pagava para evitar a fiscalização da Fazenda e, subornando funcionários da Agência Nacional do Petróleo (ANP), evitava que seus domínios fossem vistoriados. Propinas também eram distribuídas ao Fisco carioca e a policiais rodoviários. Até a Justiça e ilustres políticos são personagens dessa incrível história de corrupção protagonizada por Chebabe.

Dono de um império de dez empresas em Campos, o chefe da quadrilha recorreu a firmas de fachada para emitir notas fiscais frias, contrabandeou gado de suas propriedades no Paraguai para o Brasil e montou todo o esquema utilizando a própria família. No Uruguai abriu “off-shores” – empresas no Exterior cujo nome do dono é ocultado – para lavar dinheiro e remeteu quase US$ 5 milhões para fora do País, tudo ilegalmente. O indiciamento da quadrilha pela PF remete a uma longa excursão pelo Código Penal: formação de quadrilha, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, sonegação, tráfico de influência, contrabando, evasão de divisas e falsidade ideológica. Todos os passos da gangue do “Dono de Campos” foram filmados, fotografados e os telefonemas gravados pela Polícia Federal entre setembro de 2003 e março deste ano.

Foram 35 mil conversas captadas com autorização judicial. Nas gravações,
ouvem-se com clareza os valores e os nomes dos beneficiários de propinas.
Alguns desconhecidos, outros nem tanto. Foram registrados os nomes de dois figurões: o vice-governador mineiro, Clésio Andrade (PL), que também preside a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), e o desembargador fluminense Raldênio Bonifácio Costa, do Tribunal Regional Federal da Segunda Região (Rio
de Janeiro e Espírito Santo), que esta semana teve três desembargadores afastados sob suspeita de venda de sentenças. O vice-presidente José Alencar é também mencionado em uma das conversas. O vice-governador Clésio é classificado pela Polícia Federal como padrinho do engavetamento de um processo em Minas contra um dos principais laranjas do esquema. Já o desembargador é apontado nas conversas como o suposto beneficiário de uma propina mensal de R$ 20 mil para adiar o julgamento em torno de uma das empresas da máfia – a Ubigás Petróleo Ltda., de Campos. Apesar de todo o aparato de Chebabe, parte da maracutaia foi descoberta e a empresa estava em via de ser condenada, o que levaria a seu fechamento antes do prazo previsto pelo grupo. O desembargador, porém, permitiu a manutenção da mamata.

Não são poucos os diálogos para acertar a propina judicial. Além de Chebabe e Djanir Soares de Azevedo, seu genro e braço direito em todas as tramóias, três advogados cariocas participam da negociação via telefone. Pelo lado de Chebabe entra o advogado Fábio Calil Gandara e seu parceiro de nome Luís Carlos, o elo
com o advogado Sérgio Allevato, que se apresenta como intermediário do desembargador. No dia 9 de fevereiro, Fábio diz que a “pedida é de R$ 25 mil mensais para não julgar”, o que daria sobrevida de um ou dois meses para a Ubigás, tempo que Chebabe pretendia usar para desovar os estoques de álcool e gasolina da empresa. Para inocentar a empresa a pedida era de R$ 300 mil, valor considerado alto por Chebabe. No dia 13 de fevereiro, Chebabe, numa ligação para seu funcionário José Eduardo Gomes, escancara:

Chebabe – Você conhece aquele doutor Raldênio?
Eduardo – Conheço, ele é tio do meu genro.
Chebabe – Mas não tem intimidade para ligar para ele, né?
Eduardo – Eu não.
Chebabe – E quem tem?
Eduardo – O meu genro, minha filha.
Chebabe – Mas tem força com ele, não?
Eduardo – (…) O que o senhor tava querendo dele?
Chebabe – É que tem um negócio que vai para a mão dele, da UBI (Ubigás). É que doutor Fábio Calil, já ouviu falar?
Eduardo – Já.
Chebabe – Ele está intermediando essa operação. Ele falou comigo uma conversa meio sem graça, que ele vai ter uma reunião hoje com esse doutor e o doutor pode prorrogar lá por dois ou três meses só, porque a Ubi (Ubigás) só tá com dois ou três meses de existência, tá me ouvindo?
Eduardo – Tô ouvindo.
Chebabe – Mas ele falou em R$ 25 mil por mês. Eu achei uma conversa meio distorcida, sabe? (…) . (ligação cai)

Os R$ 25 mil que Chebabe achou “sem graça” acabaram caindo para R$ 20 mil, reservados, por ordem do dono da Ubigás, pela funcionária responsável pelos pagamentos da empresa, Claudinea Pereira Barreto. “Você tem que falar com o João (João Francisco Gomes, contador) para separar o dinheiro”, avisa Chebabe pelo telefone. Depois de intensas negociações, ficou acertado que o julgamento da ação da Ubigás não ocorreria no dia 19 de fevereiro, como ameaçava Sérgio Allevato. No dia anterior, o próprio Chebabe se encontrou às 8h40 com o advogado Fábio Calil no aeroporto Santos Dumont, no Rio. Os dois foram flagrados pelas câmeras da PF quando o empresário, chefe da máfia, passava um envelope com R$ 10 mil para Calil. Tratava-se da primeira parcela da propina ao desembargador. Com o envelope no bolso, Calil caminha ao restaurante do aeroporto e encontra-se com o advogado Luís Carlos. Conforme as gravações, Luís seria o responsável por entregar a parte prometida ao advogado Allevato – o representante do magistrado na negociata. As conversas revelam que a dupla Calil/Luís embolsou metade do dinheiro reservado ao desembargador.

O processo que estava nas mãos do desembargador Raldênio tratava de uma liminar que permitia à Ubigás, classificada como “retalhista” no mercado (transportadora, só autorizada a vender óleo combustível e diesel diretamente a clientes, como fazendas e pequenas indústrias), atuar como distribuidora, vendendo gasolina e álcool à rede de postos, multiplicando suas possibilidades de negócios. O relator do caso foi Raldênio, que concedeu a liminar em abril de 2000. Depois de vigorar por quatro anos, a medida foi derrubada com a ajuda do voto do próprio desembargador, em 23 de março deste ano. Em seu relatório, ele afirmou que já havia decisões de casos semelhantes julgadas por tribunais superiores, como o STF, contra o que desejava a Ubigás. Nas conversas, a turma de Chebabe demonstrava saber que dificilmente conseguiria o ganho de causa, mas, ainda assim, Chebabe chegou a autorizar seus intermediários a tentar obter uma decisão favorável, o que lhe foi oferecido por R$ 300 mil. Chebabe achou o preço muito alto e optou pelos dois pagamentos de R$ 20 mil para o desembargador empurrar o caso por mais um mês.

“Meu nome foi usado. Não tenho que tomar iniciativa nenhuma porque não vou macular meu nome nessa história”, rebate Raldênio. Na última semana, ele também afirmou que já conhecia as gravações, mostradas a ele pelo juiz de Campos, Marcelo Luzio, responsável pelo processo iniciado a partir das investigações da PF. Raldênio atribui o envolvimento de seu nome ao fato de ter um contraparente que trabalha na Ubigás (José Eduardo). De acordo com a PF, porém, Chebabe entregou o dinheiro no dia 18 de fevereiro. O caso estava na pauta no dia 19 de fevereiro, mas só foi a julgamento em 23 de março, graças aos dois pagamentos de R$ 20 mil.

Para montar seu esquema, Chebabe usou métodos da máfia italiana e organizou uma verdadeira família Metralha. Ele era o manda-chuva. Abaixo, estavam sua filha Elisabete Chebabe de Azevedo e o genro, Djanir Soares de Azevedo, marido de Elisabete. O genro e braço direito não hesitou em escalar como laranjas o próprio irmão, Abelnir Soares de Azevedo, e o pai, Abel Benevides de Azevedo. Nenhum dos dois, de acordo com informações da Receita Federal, tinha capacidade financeira de serem proprietários das empresas Ubigás Petróleo Ltda. e Campos Petróleo. Só a Ubigás tinha um capital social de R$ 820 mil. Dono formal, Abelnir recebia um minguado salário de R$ 1,8 mil como investigador da polícia de Minas Gerais. Para usá-los, Chebabe pagava um extra de R$ 5 mil a Abelnir e R$ 3 mil ao patriarca da família Soares.

Como todo mafioso que se preze, Chebabe e o genro Djanir não têm o hábito de deixar na mão seus auxiliares. Abelnir estava prestes a ser expulso da Polícia Civil mineira, por ser, na verdade, um policial fantasma. Foi descoberto que ele trabalharia em Minas e em Roraima ao mesmo tempo e também pesava sobre ele a acusação de haver perdido uma arma da corporação. Djanir se movimentou e Abelnir se safou. As gravações comprovam que para evitar a demissão de Abelnir foi decisiva a interferência do vice-governador mineiro, Clésio Andrade.

O vice-governador mineiro disse que não conhece os irmãos Soares, mas
admitiu que fez a ligação para o corregedor da polícia de Minas atendendo a um pedido de seu assessor direto, Bernardino Pim. Diz ainda que o telefonema foi apenas para “se informar” do processo. “Se eu soubesse que o pedido era
para bandidos, nem teria telefonado”, afirmou Clésio. Quanto ao telefonema de
sua secretária para Djanir, informando sobre o arquivamento do inquérito, diz que
foi um “exagero de assessor”.

Réu confesso – O esquema do “Dono de Campos” também amarrava o Fisco estadual. Na boca do Leão quem operava era a funcionária Claudinea, responsável pelo suborno do agente fazendário da Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro, Jorge Sebastião Monteiro, que recebia uma mesada-propina de R$ 4 mil a R$ 5 mil para que caminhões da rede Chebabe não fossem alvo de investigação nos postos de inspeção. Segundo as investigações, o dinheiro era repartido com os agentes fazendários Manoel Castilho Barreto Nunes e Luiz Fernando de Araújo Escafura. A falta de fiscalização, segundo a PF, rendia ao grupo Chebabe um lucro extra de R$ 3,6 milhões todos os meses. Várias gravações mostram que a Ubigás foi criada exclusivamente para fraudar e sonegar. Em uma conversa em 19 de janeiro deste ano com o funcionário Anites Camilo Barreto, Chebabe chega a confessar: “Eu tô fazendo isso para não pagar essa alíquota. Eu sei que eu estou devendo essa alíquota. Eu reconheço: sou réu confesso”, acrescentando que, se um dia for alvo do Fisco, decidirá se paga ou dá o calote. “Se não me cobrar, deixa pra lá. Quem vai me cobrar, no caso é o Espírito Santo, não o Rio. Eles nunca cobraram. Vou tirando as notas de transferência e dando uns dribles no pessoal.” Como em família tudo se sabe, a mãe de Djanir, dona Djanira, se refere ao contraparente Chebabe da maneira mais simples possível: “Eles não pagam imposto, sonegador de imposto é ricão porque é sonegador, aí fica rico.”

O grupo também tinha trânsito livre no asfalto. O genro Djanir era também encarregado da corrupção dos policiais rodoviários que estavam no trajeto dos caminhões do grupo. Em várias gravações, ele é fisgado tratando de propinas para policiais rodoviários não fiscalizarem os caminhões da rede Chebabe. Segundo as investigações da PF, dois policiais que chefiaram a 10ª delegacia da Polícia Rodoviária em Campos recebiam subornos para amolecer nas inspeções: Antônio César Gondim e Wilson Nagib. Além deles, outros dois policiais estão envolvidos: Robson Sarlo Dutra e José Olavo de Oliveira Pinho, da Bahia.

Na ANP, o clã Chebabe nadava de braçada. Tinham lá um atento fiscal pago pelo dinheiro público empenhado apenas em defender os interesses do “Dono de Campos”. Esse também está preso. Nessa área, os principais operadores do esquema são Emilton Azeredo de Moraes (funcionário da Ubigás, cujo apelido é “Quebrado”) e Djanir. Além de pares de sapatos novinhos, o fiscal Carlos Alberto Hasselmann, um dos mais antigos da ANP, embolsava R$ 5 mil por mês, conforme o diálogo de 22 de janeiro entre Emilton e Elisabete Chebabe. Além de evitar fiscalizações incômodas, Hasselmann também se encarregava de repassar informações privilegiadas ao grupo. Mesmo assim, no dia 7 de janeiro de 2004, Chebabe, numa conversa com o funcionário João Francisco Gomes, se queixa do valor da propina paga ao agente fazendário, mas é aconselhado a não mexer ali.

Conexões internacionais – Para mandar o dinheiro para fora do País, o clã também se mostra ardiloso. Procurou a orientação do escritório Oliveira Neves, de São Paulo, que abriu as empresas do grupo no Uruguai – Belmonte, Vicor e Vitacosicore. Nenhuma remessa para o Exterior está declarada à Receita. A PF já havia rastreado US$ 1,15 milhão em contas no Exterior durante as interceptações. Nas operações de busca e apreensão ainda foi encontrado, na casa de Djanir, um depósito em um banco de Nova York no valor US$ 3,7 milhões. Chebabe entrega seus tentáculos externos em várias ligações para uma pessoa de nome Nazira. Em alguns contatos entre eles, foi utilizado um celular que pertence à empresa Alef Consultoria, que tem entre seus sócios a Brierfield Holding Ltda. com sede nas Ilhas Virgens, outro paraíso fiscal. Em uma das gravações, de 13 de novembro de 2003, Nazira trata com carinho seu cliente “Chebabinho”:

Chebabe – Foram U$ 550 mil, né?
Nazira – Foi.
Chebabe – Agora eu tô com um dinheiro aí com você… Nós temos US$ 700 mil mais US$ 450 mil, que venceu dia 10, né?
Nazira – Eu fiz aquela aplicação para o senhor até 1º de março…
Chebabe – E aquele dinheiro que eu mandei lá, os US$ 700 mil, vamos fazer também?…
Nazira – O de US$ 700, estou esperando o departamento lá de cima dizer o que tem que fazer, para liberar aquela outra história, e aí o senhor faz o que o senhor quiser. Em 6 de novembro de 2003, um novo diálogo revela depósito no paraíso fiscal de Cayman:
Nazira – Está vencendo US$ 430 mil. Quer fazer alguma coisa?
Chebabe – Esse tá aplicado em quê?
Nazira – Cayman (…)

Ligações indiscretas – A irmã de Djanir, Djacira Soares de Azevedo, que mora em Brasília, foi flagrada várias vezes falando de seu trânsito junto ao vice-presidente da República, José Alencar, e sua esposa, dona Marisa. Ela tenta negociar um emprego para o irmão Abelnir em um gabinete ministerial, ainda não identificado pela PF. Mas o irmão, falando com a mãe, se mostra resistente à proposta de repartir o ordenado com a filha do tal ministro em um diálogo de 16 de dezembro: “Tomara que ele me coloca, mas nada de tirar 1,5 mil e passar para a filha… uai!” Além disso, Djacira diz ter feito contatos dentro da própria PF para saber se o irmão Djanir estava sendo alvo de investigações. Na gravação de 4 de dezembro de 2003, Djacira conversa com o irmão Djanir e menciona o nome de um diretor da PF, Zulmar Pimentel, que estaria “olhando tudo”. A mesma Djacira menciona, na ligação com a cunhada Elisabete, em 5 de dezembro de 2003, a amizade com a família do vice-presidente:

Djacira – Sabe com quem que eu tive hoje de tarde? Com o presidente da República.
Elisabete – Com o Lula?
Djacira – Não, com o José Alencar. Tá no lugar dele, né? (…) Tá tudo encaminhadinho… Eu pedi do Abelnir também, né? (…) Amanhã nós tamos marcando com dona Marisa, com o José Alencar, com o chefe de gabinete dele (Eduardo), que é uma gracinha, menina (…) Eu nem olhei mais nada daquele negócio (investigação da PF)…
Elisabete – É só precaução, de não ficar falando besteira.
Djacira – Tem celular e tudo do vice, da mulher dele, de tudo, porque aí, qualquer coisa, minha filha, é ligação direta. O Lula vive viajando, quem tá mais assumindo é ele mesmo..