O empresário Guilherme Freire é uma espécie de fantasma a assombrar a trajetória política de Anthony Garotinho, ex-governador do Rio e presidenciável do PSB. Desde 2000, quando foram divulgadas na imprensa fitas com gravações clandestinas de conversas de Garotinho, o nome de Guilherme veio à tona. Desde então, eles vivem como cão e gato. Um acusa, mas não mostra as provas que diz ter, e o outro tenta censurar jornais e revistas para impedir que as denúncias circulem. O ex-governador afirma que Guilherme é o autor do grampo telefônico e frequentemente o chama de “bandido”. O empresário quebrou a discrição quando foi ao Ministério Público de Campos acusar Garotinho de mandar matá-lo e quando afirmou, em reportagem publicada por ISTOÉ, em setembro de 2000, que ele praticava corrupção para “manter contas-fantasmas” do ex-governador. Nos últimos tempos, Guilherme deu maiores detalhes do relacionamento dos dois, que começou na infância e se estendeu até Garotinho assumir a Prefeitura de Campos. Ele conta que era dono de uma empreiteira que cresceu de maneira espantosa na época em que fazia negócios com a prefeitura comandada pelo amigo. Diz que intermediou várias negociações e faz graves acusações. Contrabando de material médico e lavagem de dinheiro são alguns dos crimes que atribui a Garotinho. Apesar dos indícios, Guilherme não apresenta as provas.

Garotinho faz de tudo para impedir a publicação de qualquer informação que venha de Guilherme. Sua última investida foi contra a revista CartaCapital, proibida judicialmente pelo juiz Marcelo Oliveira da Silva, da 21ª Vara Cível do Rio de Janeiro, de divulgar uma reportagem tendo o empresário como protagonista. A censura rendeu a Garotinho uma nota de repúdio da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), que o acusou de tentar cercear a liberdade de imprensa. Até o presidente do STF, Marco Aurélio Mello, exercendo interinamente a Presidência da República, manifestou sua indignação com a postura do candidato. “É proibido proibir”, disse. Inconformado com a censura, Guilherme Freire reagiu: “Isso mostra como vive acuado o cidadão do Brasil. Se ele conseguiu calar as organizações Globo e a CartaCapital… Que país é esse? O ex-governador rebateu Freire, dizendo que as denúncias eram “uma manobra política” e desqualificou o empresário. Segundo Garotinho, “eu o pus pra fora da Prefeitura de Campos, porque ele recebia obras que foram superfaturadas”. Ele não crê que as denúncias trarão prejuízo à sua candidatura. “Em 1996 e em 1998, quando fui candidato apareceu esse fato. Toda eleição é a mesma história”.

ISTOÉ – Garotinho diz que as fitas de grampos telefônicos que aparecem na imprensa são obra sua. É verdade?
Guilherme Freire –
Tudo o que fiz foi para salvar a minha vida. Não tinha como sobreviver se não entrasse no submundo. Quando Garotinho disse que eu fiz aquelas gravações, passei a receber muitas denúncias contra ele, inclusive fitas, dos que não tinham coragem de denunciar.

ISTOÉ – O que essas fitas revelam?
Freire –
Garotinho disse em entrevista a ISTOÉ que nunca corrompeu ninguém nem autorizou a corromper. São duas mentiras. Há cinco conversas a respeito disso que não foram divulgadas. Ele aparece diretamente corrompendo o fiscal da Receita e recebendo a resposta de que estava “tudo resolvido”. Ele corrompeu um consulado para trazer mercadorias do Exterior que chegavam como doação, em 1995, 1996. Esse consulado importava, repassava para ele, que entregava a um terceiro para vender. Ele só tinha o trabalho de receber o dinheiro. Eram seringas e termômetros contrabandeados. Ele fez propaganda desse material em seu programa na Rádio Tupi. Um funcionário de um consulado no Rio o procurou oferecendo o esquema. Apresentou-se como sobrinho do cônsul.

ISTOÉ – Que provas o sr. tem?
Freire –
Documentos, gravações contendo negociações. Guardo-os comigo para minha segurança e terei imenso prazer em entregar
à Comissão de Justiça ou de Direitos Humanos
da Câmara.

ISTOÉ – O sr. acusa Garotinho de lavagem de dinheiro. Como era feita?
Freire –
Há o esquema Cabo Frio – o dinheiro repassado do Rio para uma conta em Cabo Frio para ser sacado e entregue a Garotinho. Por exemplo: Jair Coelho (o “rei das quentinhas”, que monopolizava o abastecimento das prisões do Rio e morreu em outubro de 2001) dava um cheque nominal a Garotinho ou Jonas (Lopes de Carvalho, ex-chefe do Gabinete Civil do governador Garotinho) e era depositado em certa conta aqui no Rio e daí viajava para uma outra conta de uma empreiteira em Cabo Frio. Era sacado em dinheiro e entregue a Garotinho. A prova é o próprio Garotinho relatando como funcionava o esquema em conversa com Jonas.

ISTOÉ – Por que só falar agora?
Freire –
Saiu a figura do governador e está aí o empresário, o milionário. Acho que é o momento de partir para o confronto para provar todas as perseguições que venho passando.

ISTOÉ – Na declaração de renda, Garotinho não é dono de coisa alguma…
Guilherme –
Uma pessoa que faz negócio de seringas, termômetros, importação tão grande, é um milionário. Quando ele me pediu para comprar a TV Norte, era um negócio de US$ 6 milhões. Tenho certeza de que era para ele.

ISTOÉ – Que tipo de pressão foi feita por Garotinho contra o sr.?
Guilherme –
Eu fui preso no ano passado por conta de uma operação do Ibama em minha fazenda, em Campos. Fiquei um dia na Polícia Federal. Máquinas foram apreendidas e funcionários presos com a ajuda da PM. A alegação da dra. Rosa Maria Castelo Branco, chefe do Ibama na região, era de que eu estaria tirando água ilegalmente de uma lagoa. Isso é uma mentira. Tratava-se de um grande açude que eu mesmo havia construído.

ISTOÉ – Qual é o seu objetivo?
Freire –
Tomei uma atitude de homem e vim aqui com coragem bastante para mostrar quem é Garotinho. Pretendo acioná-lo e preciso de um advogado que me ajude a enfrentar o poderoso empresário que ele é. Quero que Garotinho repare todos os danos que me causou e me faça um pedido de desculpas em público. Em entrevistas, ele me chamou de bandido. Eu tenho família e quem eu vejo como bandido é ele. Garotinho pôs a Receita em cima de mim para fazer uma devassa, dizendo que ia me liquidar.

ISTOÉ – Por que o sr. saiu de Campos?
Guilherme –
Fui alvo de um plano que visava me matar em 1997. Contratei uma equipe de investigação que levantou tudo. Eu provo que Garotinho tentou me matar. Levei essas provas ao Ministério Público e ele foi intimado. A pessoa que deu o depoimento no MP, Josenilton Ramos, contou todo o plano ao promotor Marcelo Lessa. Mas houve um acordo entre advogados para Garotinho não depor. Meu advogado fez o acordo sem minha autorização.

ISTOÉ – Quem iria matá-lo?
Freire –
O homem que Garotinho contratou para me matar era um ex-PM expulso da corporação por assassinato e roubo, entre outros delitos. Chama-se Luiz Carlos Melchíades. A expulsão foi feita pelo comandante da PM em Campos, que depois seria secretário de Segurança de Garotinho, Josias Quintal. Curiosamente, Melchíades foi reintegrado pelo próprio Quintal. Esse plano chegou a mim através de Josenilton Ramos, dono de um jornal em Campos, que participou de tudo. Ele disse ao MP de Campos como, que dia, a que horas, em que local eu seria assassinado e quanto Melchíades recebeu para me matar num posto de gasolina, quando eu parasse para abastecer. Foi em agosto de 1997. Descobrimos antes e levei o caso ao MP. No depoimento, Josenilton diz que Garotinho ligava para os lugares onde ele estava, perguntando por que o serviço estava demorando a ser feito.

ISTOÉ – O que pretende fazer para resolver essa situação?
Guilherme –
Quero entregar essas denúncias à Câmara. Se não puder entregar aqui, vou à Comissão de Direitos Humanos da OEA. Sei que corro risco de vida. Vou entregar as provas de tudo o que digo.

ISTOÉ – Como o sr. o conheceu?
Guilherme –
Estudamos juntos na adolescência. Quando Garotinho entrou para a prefeitura, eu comecei a trabalhar com ele como empreiteiro. Sempre me beneficiei da boa vontade dele com a minha empresa em relação a pagamento. É um método que ele sempre usa: paga em dia para quem ele gosta e atrasa com os outros. Ao ser eleito, ele me disse: “Venha trabalhar comigo, eu te contrato e você vai ter obras.” A minha empreiteira se tornou a maior do norte e noroeste fluminense em quatro anos. Tínhamos faturamento mensal de US$ 500 mil e 300 funcionários. Nessa época, ele me chamava de “meu Odebrecht”. Me ligava duas ou três vezes por dia. Eu frequentava a casa dele. Você não tem idéia de quantos negócios eu intermediei para ele. Compras de empresas de comunicação, por exemplo.

ISTOÉ – Após suas primeiras acusações publicadas em ISTOÉ, Garotinho ameaçou processá-lo. Ele já fez isso?
Guilherme –
Não. E se entrar com processo vai ser derrubado pelas provas que eu tenho. Ele que fique à vontade. Tudo a partir de agora vai ser respondido. Posso até ser preso, mas vou ser preso como homem.