Paulistano do Bom Retiro, antigo reduto da comunidade judaica, o fotógrafo Bob Wolfenson, 49 anos, desde a infância se sentia intrigado com a estátua equestre de Duque de Caxias, localizada na praça homônima. “Quando eu era menino, aquilo era tudo de belo. Mas meus pais, que eram de esquerda, a odiavam porque Caxias era o patrono do Exército brasileiro”, lembra o fotógrafo. Num mergulho no passado, Wolfenson voltou ao local para fazer uma imagem atípica do monumento, mostrado pelas frestas de um fundo de quintal cimentado e cercado de arames farpados. É uma das 63 fotografias reunidas na parte “íntima” da exposição Encadernação dourada – antifachada, em cartaz na Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo, composta de imagens cotidianas de familiares e amigos e de temas relacionados à sua memória. A outra parte, a “pública”, reúne 39 fachadas de prédios, expostas em ampliações de tirar o fôlego. Paralelamente à mostra, está sendo lançado o livro de mesmo nome (Cosac & Naify, 120 págs., R$ 98), que traz dez pôsteres em tamanhos variáveis das fachadas monumentais.

No segmento Encadernação dourada, Wolfenson faz uma espécie de caderno de anotações com aqueles momentos banais que paradoxalmente resumem a vida. São fotos de sua mulher dormindo, das filhas brincando, dos cães eufóricos e até mesmo da mesa posta na Páscoa judaica ou do divã preto do analista. Uma, no entanto, guarda valor afetivo imensurável – o interior iluminado e desfocado da confeitaria Dom Bosco, visto da janela do apartamento da família, em 1967. “Foi uma das primeiras fotos que fiz”, lembra Wolfenson. Entre os amigos e figuras luminares de sua trajetória aparecem o diretor teatral José Celso Martinez Corrêa, o artista plástico Geraldo de Barros e o fotógrafo Otto Stupakoff.

Passar deste mundo caloroso da intimidade para o amontoado de concreto
das antifachadas não deixa de ser um choque. Mesmo com o olhar especial de Wolfenson para ordenar o caos visual, descobrindo nas paredes deterioradas, ou nem tão gastas, uma paleta de cores insuspeita, banhada por uma luz que torna o concreto quase aveludado. “A não ser pela manipulação digital da cor, é tudo absolutamente real. Quis sublinhar aquela cor de mormaço, meio ofegante. Por
isso, cortei o céu e o chão”, explica o fotógrafo, que usou uma câmera Sinar
8 X 10, responsável pela sensação de achatamento e pela ausência de áreas
desfocadas de sua coleção de janelas indiscretas.