Nos já longínquos anos 1960, Caetano Veloso o considerava um dos tipos
mais impressionantes que havia conhecido. Hoje, o escritor paulistano José Agrippino de Paula é apenas uma sombra do seu passado. Aos 67 anos, o homem que foi um dos inspiradores do movimento tropicalista e um dos mais citados no livro Verdade tropical, de Caetano, vive recluso no município de Embu, na Grande São Paulo. Vítima de esquizofrenia, Agrippino recebeu, no domingo 6, amigos e conhecidos para uma tarde de autógrafos do seu livro Lugar público (Papagaio, 268 págs., R$ 32), que acaba de ser relançado. Com o olhar perdido, barba grande e roupas surradas, ele falou a ISTOÉ sobre a obra e relembrou histórias das décadas de 1960 e 1970. “O Brasil vivia um período socialmente confuso em 1964. Descrevo isso no livro, mas também falo de romance e da
minha vida pessoal.”

Lugar público, cuja primeira edição de 1965 saiu pela editora Civilização Brasileira, é hoje citado como estranho e inovador. É um romance que pela primeira vez no Brasil cunhou uma nova narrativa, identificada com as correntes literárias da vanguarda de então. Por muito tempo o livro ficou esquecido, apesar de ser considerado um marco na literatura brasileira, pois antecipadamente falava do universo da contracultura num texto telegráfico e pouco linear.

Os personagens que atendem pelos nomes de Robespierre, Napoleão ou Cícero participam da história do encontro amoroso de um casal enquanto a televisão exibe a famosa Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Retrata, portanto, o delicado momento político com referências ao cinema, às artes plásticas, gráficas e performáticas. A nova edição ganhou uma capa inédita criada pelo artista plástico Antonio Peticov – escolhido pelo autor. Há ainda a reprodução da capa original de Eugênio Hirsch e de um texto de Carlos Heitor Cony, que assinou as orelhas da primeira edição.

Agrippino, além de ficcionista, escreveu ensaios, roteiros de shows, peças de teatro, espetáculos de dança e dirigiu curtas-metragens, documentários e um longa-metragem, Hitler do terceiro mundo, estrelado por Jô Soares. Sua vida deve virar documentário. A psicanalista Miriam Chnaiderman está coletando depoimentos de amigos e admiradores, além de acompanhar de perto o autor. “Apesar das limitações, Agrippino está conduzindo todo o trabalho. Foi dele a idéia de costurar a história com depoimentos”, conta Miriam. Diagnosticado como caso agudo de esquizofrenia desde os anos 1970, Agrippino é considerado incapaz pela Justiça e vive sob a guarda legal de um irmão. Chegou a perambular pelas ruas como um sem-teto, mas agora a literatura é sua ligação com o mundo.