A internet aportou no Brasil para valer
em 1996. Hoje, o país do futebol é um
dos campeões no ranking da exclusão social – e digital. Quem poderia imaginar, então, que os brasileiros passam mais tempo plugados na rede do que os conterrâneos de Bill Gates? É incrível, mas é o que aponta uma pesquisa do Ibope/NetRatings. No último mês de abril, usuários que acessam a rede em casa bateram recorde em tempo médio de navegação, com 20 minutos a mais que o tempo aferido nas residências americanas. E o que esse povo tão sociável gosta mesmo é de toda e qualquer forma de se comunicar pela rede. Por isso, os brasileiros invadiram as comunidades virtuais – ou sites de relacionamento. A nova febre do momento é o Orkut, um grupo fechado no qual só entram convidados.

Nessa comunidade, os brasileiros são 23,36% dos inscritos, perdendo somente para os americanos, que dominam 35,25% do site. Em terceiro lugar, vêm os tecnológicos japoneses, com 4,27% das inscrições. Mas por que cargas d’água um país tropical que oferece tantas possibilidades de distrações ao ar livre tem tanta gente interessada em se relacionar virtualmente? Alguns especialistas acreditam que os brasileiros ficam atraídos pelo caráter lúdico das comunidades virtuais. E, ao contrário do que acontece em outros países, aqui poucos se importam de expor sua vida na rede. A professora Lúcia Leão, pesquisadora da PUC-SP, confirma que a personalidade típica do brasileiro pode ser o motivo do sucesso do Orkut por aqui. “É uma brincadeira bem-intencionada. Somos extrovertidos, tolerantes e curiosos. Lógico que iremos participar”, afirma ela. É importante observar que os internautas do Brasil gostam de encontrar pessoalmente os que conhecem na rede, seja para namoro ou amizade. Isso sem falar dos que se relacionam virtualmente com quem já conhecem na vida real.

Em 2000, houve um boom de comunidades virtuais e um dos primeiros sites que surgiram com esse propósito foi o weel (well.com). No Brasil, o que tem maior número de usuários é o usina (usina.com), criado pelo jornalista René de Paula Jr. De acordo com Fábio Fernandes, pesquisador da PUC/SP e autor de tese sobre cibercultura, muitas comunidades que surgiram há quatro anos desapareceram porque o propósito era usar o potencial do site até esgotar e vender o máximo de produtos e serviços. “O que vemos agora é a segunda geração de comunidades, que não tem essa intenção”, completa ele.

Sacada – O Orkut faz parte dessa nova geração. A rede leva o nome de seu criador, o turco-alemão Orkut Buyukkokten, um funcionário do Google – o mais famoso site de busca na rede. Sua criação foi uma genial sacada de marketing. O Google tem milhões de acessos diários, mas a empresa não sabe quem são os usuários. É por isso que o Orkut foi criado. Para entrar no grupo, o internauta tem que ser convidado por um amigo. Depois, preenche um cadastro com informações pessoais e profissionais. Com essas valiosas fichas, basta ligar as duas bases (Google e Orkut) e descobrir quem são e o que querem os membros do Orkut que acessam o Google. Aí fica fácil personalizar os anúncios, tornando-os mais eficientes. Já cadastrado, o usuário entra na página do amigo que o convidou e passa a procurar velhos conhecidos na lista dele. O segundo passo é convidar quem ele encontrou para também integrar sua lista. E a graça é essa mesmo: procurar amigos nas listas dos amigos e dos amigos dos amigos, formando uma rede interminável. É uma derivativa daquele conceito de six degrees, pelo qual todos estão separados por seis pessoas, ou, “todo mundo conhece alguém que conhece alguém que conhece a Madonna”. Além de se relacionar, os usuários também podem abrir fóruns de discussão temáticos.

O charme do Orkut é o fato de ser uma espécie de máfia virtual, já que a inscrição não é aberta a todos. “O Orkut é só um fórum mais sofisticado, mas o caráter de comunidade secreta atrai”, explica a psicóloga Ivelise Fortin, do Núcleo de Pesquisa de Psicologia em Informática da PUC/SP. No Brasil e nos Estados Unidos, já houve quem tentasse vender convites para a rede em sites de leilão. O disputado ingresso chegou a custar US$ 10. Ivelise pondera ainda que é curioso o sucesso do Orkut porque, ao contrário dos chats e comunidades tradicionais, o usuário fica totalmente exposto no site. Na ficha pessoal há, inclusive, um álbum de fotos, além de dados que vão desde telefones até livros preferidos e orientação sexual.

Há quem diga que, no Brasil, o que mais atrai os usuários para o Orkut é o voyeurismo. Outro especialista no assunto, o professor Sérgio Bicudo, também da PUC-SP, compara a ferramenta ao Big Brother. “Não é só uma comunidade, é uma comunidade de comunidades. Há muito voyeurismo, as pessoas querem saber quem é amigo de quem, quase um Big Brother”, afirma. O músico paulista Dudu Tisuda, 25 anos, está cadastrado no grupo há um mês e já tem mais de 150 amigos na sua lista. “Não deixa de ser uma atividade egocêntrica e carregada de certo voyeurismo. A maioria se expõe, fala de suas predileções, publica várias fotos. O lance é ver e ser visto”, diz ele. Os “orkutianos” podem escrever recados e elogios nas páginas de seus amigos e esses textos ficam expostos no perfil do usuário, para todo mundo ver. Em alguns, eles escrevem o que acham da pessoa – são os testemunhais. É o que Dudu mais gosta de fazer. “Adoro escrever e ler os recados dos meus amigos”, conta. Enquanto trabalha no computador ou ouve músicas, Dudu mantém o site do Orkut aberto e está sempre conferindo se tem algum amigo, recado ou e-mail novo. Por meio do grupo, ele também divulga seu trabalho e convida os amigos e amigos dos amigos para seus shows.

Comunidades virtuais também disputadís-
simas no Brasil são as de blogs e fotologs.
O site fotolog.net, que hospeda diários fotográficos de internautas do mundo todo,
já não aceita mais cadastro grátis de brasileiros, que ocuparam mais da metade das páginas. Dos 360 mil diários, 183.348 são do Brasil. E a graça é entrar na página dos amigos, conhecidos e recém-conhecidos e fazer comentários sobre as fotos deles, o que acaba gerando uma rede de quem tem fotolog, parecida com a de comunidades tradicionais. A empresária Helena Pimenta, 26 anos, criou seu diário há um ano e
passou a publicar fotos suas e de seus amigos. Com a sócia Lívia Torres, Helena é proprietária da grife de roupas Monstros. Elas resolveram, então, criar um fotolog da marca, com fotos das peças que desenham. “É como um site, só que de graça. Começamos a receber pedidos e encomendas pelo fotolog. Hoje, já vendemos para vários Estados do Brasil”, conta. A mais nova sacada de Helena e Lívia, que, claro, também são membros do Orkut, é usar a comunidade para divulgar a grife e angariar clientes também na máfia virtual do Google. Sinal dos tempos.