16/06/2004 - 10:00
Favela é também para inglês ver. Um projeto da escola Dragon, de Oxford, uma das mais conceituadas da Inglaterra, e do Afro Reggae, grupo
que nasceu em Vigário Geral e realiza programas sociais nas favelas cariocas, vai levar 51 crianças da elite britânica para conhecer a realidade das comunidades carentes do Rio de Janeiro. “Vamos mostrar o que não chega a eles. Deixar claro que nas favelas não há só tristeza”, explica o coordenador executivo do Afro Reggae, José Júnior. As crianças chegam dia 13 de julho e ficarão até o dia 23 no Sheraton, um hotel cinco-estrelas perto da favela do Vidigal. Elas vão passar os dias em atividades culturais nas favelas.
A idéia é proporcionar uma “troca humana”, como define o coordenador da visita e do departamento de educação física da Dragon School, Daniel Gill. “A garotada vai ver que, apesar das diferenças, tem muito o que aprender uns com os outros”, diz. “A auto-estima do jovem aumenta quando entende as divergências”, completa. Daniel tocou projetos semelhantes na África do Sul e na Índia, com crianças em situação de risco. No Rio, as visitas serão a Vigário Geral e ao Complexo do Alemão, na zona norte, e ao Cantagalo, zona Sul.
Os britânicos não parecem amedrontados pela violência e se mostram dispostos à maratona social. “Deve ser muito difícil viver em contato com a miséria, o tráfico e a violência. Não podemos virar as costas para quem precisa de nós”, explica, como gente grande, a inglesa Minnie Brown, 11 anos. Ela está curiosa para conhecer o “jeitinho” brasileiro. “Sempre vejo imagens de crianças brasileiras felizes e rindo bastante. Elas devem ser muito alegres e generosas”, completa a estudante. Maxine Macintosh, 11 anos, sempre sonhou em conhecer o Brasil, onde sua mãe morou durante parte da juventude. Mas a vontade de colaborar é ainda maior do que o sonho antigo. “Meu propósito é ajudar. Vou ter outras oportunidades de fazer turismo”, explica. “É chocante saber que, ao dar um passo para fora de casa, uma pessoa pode se tornar vítima de doenças e ataques criminosos”, diz.
Os cariocas não vêem a hora de receber os futuros colegas. “Eles vão nos ensinar coisas novas, e nós para eles. Vamos nos completar”, diz Jaqueline Souto da Silva, 18 anos. Moradora do Cantagalo, ela já presenciou o assassinato de uma amiga, mas as dificuldades não tiram seus sonhos. “Vou lutar muito para ser atriz, que nem a Maria Clara Diniz (Malu Mader na novela Celebridade). Quem também almeja viver longe da violência é Ariane Kennedy, 13. “Tenho muito medo dos bandidos. Eu queria viver sem ouvir tiros toda hora”, diz ela, que também mora no Cantagalo. Destaque no projeto Levantando a Lona, que ensina atividades circenses, Ariane impressiona com as piruetas na corda indiana e já tem um objetivo de vida. “Ainda vou ser uma grande artista.” Sua vizinha Carolina de Souza, 12 anos, já presenciou a prisão de dois primos e não aguenta mais viver em zona de combate. “Meu sonho é ser uma médica para sair da favela e poder comprar muita bala doce.” Ela quer mostrar aos ingleses o que o brasileiro tem. “A violência também não é tudo. Eles vão ficar impressionados com nossa cultura e beleza natural.”