Depois de uma operação de guerra, o governo conseguiu colar uma parte das rachaduras que dividiam aliados, conter rebeldes e fazer passar na Câmara dos Deputados, por 266 votos a favor e 167 contra, o salário mínimo de R$ 260 proposto pelo Executivo. “Foi uma grande vitória”, comemorou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A votação, que tomou a tarde e parte da noite da quarta-feira 2, serviu para mostrar que a base na Câmara não estava tão esfacelada como se imaginava, afastando a imagem de descontrole deixada pela derrota na rejeição da MP que fechou os bingos em todo o País. Mas as comemorações param por aí. O aumento, menos de 2% acima da inflação, põe em cheque a promessa feita por Lula na campanha de dobrar o poder de compra do mínimo durante seu governo. Após uma reunião com a bancada petista na véspera da votação, o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, admitiu que a meta só será cumprida se for incluído na conta o aumento dado ao salário-família, elevado de R$ 14 para R$ 20. Trata-se de arremedo. Como só é pago a uma parte dos trabalhadores que têm carteira assinada, o salário-família está longe de ser um benefício amplo. Ficam de fora, por exemplo, os que não têm filhos e os trabalhadores domésticos, que em geral recebem os salários mais baixos. “Do ponto de vista social, seria mais eficiente elevar o pagamento de programas como o bolsa-família”, diz o professor Marcelo Neri, especialista no estudo do combate à pobreza.

Para chegar aos 266 votos, o governo mobilizou uma dezena de ministros e acenou com a liberação futura de R$ 200 milhões para emendas individuais de parlamentares. Na terça-feira 1º, o ministro da Articulação Política, Aldo Rebelo, passou o dia na Câmara conversando com lideranças. Os ministros peemedebistas Amir Lando, da Previdência, e Eunício Oliveira, das Comunicações, também fizeram um esforço concentrado, tentando virar votos nos gabinetes do Congresso. O ministro da Ação Social, Patrus Ananias, disparou dezenas de telefonemas. No PT, o recuo da maior parte dos 20 rebeldes (apenas cinco votaram contra o governo) teve um motivo extra, além do fato de a direção do partido ter fechado questão sobre o assunto. Ficava difícil votar a favor de um projeto do PFL que, para esticar o mínimo, tirava dinheiro da reforma agrária, um dos programas mais queridos da esquerda.

Como se esperava, o PMDB rachou: dos 71 presentes, 39 votaram com o governo e 32 contra. Tumultuado por vários grupos que se digladiam, proporcionalmente o partido acabou mostrando uma performance semelhante à da votação da reforma da Previdência, em dezembro do ano passado, antes de entrar formalmente no governo. Votaram contra o Planalto os seguidores do governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, os aliados do deputado Geddel Vieira Lima (BA) e mais um punhado de pré-candidatos a prefeituras municipais que não quiseram se chamuscar às portas de uma campanha eleitoral. O mesmo problema foi enfrentado pelo próprio ministro Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que não conseguiu convencer toda a bancada de seu partido (um votou contra e dois preferiram não aparecer no plenário). No final, o resultado praticamente empatou com a contagem de 270 votos feita pelos líderes governistas na véspera da sessão. No Planalto, avalia-se que é este o tamanho da base com a qual o governo contará para enfrentar futuras batalhas no Congresso. O número não aguenta a refrega de uma mudança constitucional, que exige 308 votos favoráveis. Mas o governo se dá por satisfeito. Os projetos prioritários que tem pela frente, como as mudanças na Lei das Sociedades Anônimas e as PPPs (Parcerias Público-Privadas), requerem maioria simples para passar. De resto, os governistas tiveram que aguentar o protesto montado pela oposição, que chegou a levar fotos badaladas dos tempos de Fernando Henrique, quando severos ministros governistas de hoje, como Palocci, José Dirceu (Casa Civil) e Ricardo Berzoini (Trabalho) tripudiavam nas votações de salários igualmente mínimos. O governo ainda tem uma pedreira pela frente. O mínimo de Lula terá que passar no Senado, onde, ao contrário da Câmara, a maioria governista é considerada bem mais frágil.