No mar, ele é hoje o capitão de um megaprojeto que promete ressuscitar a indústria naval brasileira e gerar aos milhares empregos tão caros ao governo. Em terra, foi nas últimas décadas um dos timoneiros tucanos em alianças que definiram rotas na política nacional. Marujo experiente na cena brasileira, o ex-deputado (1991-95) e ex-senador (1995-2002) José Sérgio de Oliveira Machado, que acaba de completar 59 anos, não pode reclamar de sua biografia. Mesmo quando não aparece como protagonista, está sempre testemunhando a história. Nos anos de chumbo da ditadura, exilado em Paris junto com o pai, Expedito, presenciou ainda menino aulas de política e tolerância do desterrado Juscelino Kubitschek. Na puberdade política, descobriu no movimento estudantil o que era nadar contra a corrente. Debutante na cena eleitoral, há 20 anos, fez parte do grupo de industriais cearenses que derrotou os coronéis locais, lançando no mar da política peixes graúdos como Tasso Jereissati e Ciro Gomes – hoje seus desafetos políticos. Atualmente, no PMDB, detém um dos cargos mais cobiçados do governo Lula, a presidência da Petrobras Transporte (Transpetro), subsidiária da Petrobras que faturou R$ 3,3 bilhões em 2005 e é responsável por tocar o Programa de Modernização e Expansão da Frota, que se traduz na encomenda já de 26 navios de grande porte, uma revolução de 22 mil novos empregos diretos e indiretos. “É nosso segundo grito de independência”, afirma. Se já não fosse político, Machado poderia começar uma grande carreira. Em seu gabinete no 10º andar da Transpetro, no centro do Rio de Janeiro, o ex-senador recebeu ISTOÉ para falar de navios, mas também navegar por outros mares mais turbulentos, falando sobre crise política, sucessão presidencial e as intermináveis CPIs – que, aliás, nunca integrou. “Não conseguiria passar o dia inteiro pensando em como ‘ferrar’ alguém”, torpedeia.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Qual o maior desafio que enfrenta no cargo?
José Sérgio de Oliveira Machado

José Sérgio de Oliveira Machado – Quando chegamos na Transpetro, a grande questão, assumida em compromisso pelo presidente Lula, era reerguer a indústria de construção naval do Brasil. Os países que dominam 50% do comércio internacional têm 72% da frota de navios. Isso não é por acaso. Mais de 80% do comércio mundial é feito em navios – 95% no Brasil. O problema de um país que precisa de navios, como o nosso, é que, enquanto o mundo está passando da quarta para a quinta geração nos estaleiros, estacionamos na segunda. Enquanto no mundo se constrói um grande petroleiro entre sete e 12 meses, no Brasil levamos de 24 a 30 meses. Enquanto o mundo produziu 1.174 navios no ano passado, um movimento de US$ 70 bilhões, o Brasil encomendou seu último navio há 20 anos. Deixamos de gerar emprego e renda e ficamos vulneráveis. Hoje temos 120 petroleiros – só 47 nossos, e ainda assim com idade média de 17 anos. No ano passado, gastamos com transporte marítimo US$ 10 bilhões. É três vezes o que o governo vai investir em tudo no Brasil – estrada, saúde, energia, educação. A grande contradição é que, 52 anos depois da criação da Petrobras, estamos chegando à auto-suficiência na produção de petróleo, mas somos totalmente dependentes no seu transporte. Assumi com esse tremendo desafio.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Como será possível mudar isso?
José Sérgio de Oliveira Machado

Machado – Temos que dar condição para o Brasil competir nesse setor. Se você aluga navio, o emprego vai para fora, o lucro do armador é capturado fora do sistema, o imposto vai para fora, a divisa vai para fora. Por isso, decidimos reconstruir a indústria naval brasileira e aproveitar essa oportunidade de viver um grande ciclo de crescimento. O Programa de Modernização e Expansão da Frota, que estamos realizando, é nosso segundo grito de independência. Decidimos, de um lado, comprar de uma só vez 42 novos petroleiros – sendo 26 na primeira fase –, com altíssimo grau de nacionalização, 65%. Estaremos gerando 22 mil empregos diretos e indiretos. Nessa concorrência entraram oito estaleiros, inclusive seis dos oito maiores do mundo, que se associaram a empresas brasileiras em consórcios. Como não temos hoje condições de fabricar navios competitivos, e não queremos apenas uma chuva de verão, exigimos que os estaleiros fossem competitivos, drenando tecnologia para o País. Se somos competitivos na indústria aeronáutica, por que não somos na indústria de construção naval? Até o final de fevereiro daremos ordem para começarem a fabricar o primeiro navio. E estamos também abrindo um concurso para aumentar a tripulação de nossos navios, fortalecendo nossa mão-de-obra com a contratação de 1.500 pessoas.

ISTOÉ – ISTOÉ ? O País anda meio escaldado de políticos na máquina pública. É complicado ser político numa hora dessas?
José Sérgio de Oliveira Machado

Machado – Não, não é. Basta ser político sem ser politiqueiro. Fazer as coisas pensando no País e não em si mesmo ou no seu grupo político. Jamais colocaria minha biografia pessoal acima da história do Brasil. Um exemplo disso é que por razões técnicas um estaleiro no Ceará, meu Estado, não foi classificado.

ISTOÉ – ISTOÉ ? Como o sr. acompanha a crise política?
José Sérgio de Oliveira Machado

Machado – Claro que devemos apurar os desvios. Eles devem ser investigados
pelo Ministério Público, pela Justiça, pela Polícia Federal, pelas CPIs, mas isso
diz respeito a coisas que aconteceram no passado. O passado não tem mais
jeito, o futuro sim. Temos obrigação de discutir a agenda do futuro, que vai dar emprego, escola, saúde, gerar desenvolvimento. Estamos a poucos meses do
início da campanha sem uma agenda para o País. A classe política tem que sair
da agenda política e ir para a agenda do Brasil. Cada candidato tem que apresentar sua solução para os problemas brasileiros. A eleição deste ano já começou, mas fulanizada. Só se discutem pessoas. Ninguém fala em temas. Fazer uma campanha sem propostas torna ainda mais difícil governar depois. Porque as alianças são feitas com pessoas, com partidos, e não com idéias. Por isso, a reforma política
é tão importante, para dar consistência aos eleitos para governar, para implantar
suas propostas, mudar o País. Essa crise pode ser a parteira de uma
grande transformação.

ISTOÉ – STOÉ ? Quais os maiores vícios da política brasileira? .
José Sérgio de Oliveira Machado

Machado – Primeiro, o troca-troca de partidos. Nessas últimas eleições, menos de 40 deputados se elegeram com os próprios votos. O resto se elegeu com os votos de seus partidos. O mandato não pertence a quem foi eleito, pertence ao partido. Só que aqui é diferente. Se o governo está mal, passam para a oposição. Se a oposição vai mal, você vem para o governo. Se seu partido não tem perspectiva, você troca de partido. A troca de partido virou moeda para garantir voto. E geramos essas crises políticas. Quando o (John) Major tornou-se primeiro-ministro britânico (1990 a 1997), ele tinha uma maioria no Parlamento inglês de apenas três votos. E nunca perdia nenhuma votação. Era uma maioria sólida, baseada em compromissos. Costumo brincar que se essa maioria de três fosse no Brasil seriam três “caríssimos” companheiros. Os governos por aqui têm maiorias teóricas, baseadas em alianças, mas na prática é complicado. Falta fidelidade partidária e compromisso com temas, com o País. O grande problema do Brasil hoje é político. Me preocupa muito porque estamos entrando para a próxima eleição sem ter resolvido esses problemas

ISTOÉ – ISTOÉ ? E o financiamento de campanha?
José Sérgio de Oliveira Machado

Machado – É outro problema grave que continua também sem solução, apesar de tudo o que se está vendo. Temos que deixar essa coisa transparente para que o homem de bem possa ser candidato, evitar essa questão do caixa 2, que vem de muito tempo. O Congresso por enquanto só reduziu o custo, mas não resolveu o problema, que é a fonte do financiamento. É preciso ter um financiamento público. Não resolve o problema do político picareta, mas a lei tem que ser feita para o homem de bem. Ao se aposentar, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos, o democrata Hubert Humphrey (1965-1969) deu uma entrevista ao The New York Times que sintetiza todo esse problema. Ele disse: “O financiamento de uma campanha é uma maldição. É a mais nojenta, indigna e debilitante experiência da vida de um político. Fede, repugna. Eu não tenho palavras para dizer o quanto odeio isso.” É ou não é a cara do que está acontecendo? Da maneira como está, claramente não funciona. Isso cria todos esses descaminhos, essas confusões. Os próximos eleitos não podem vir sob o manto da dúvida, da suspeita.

ISTOÉ – ISTOÉ ? O sr. defende o fim da verticalização (princípio que obriga os partidos a manter nos Estados e municípios as mesmas alianças formadas em nível federal)?
José Sérgio de Oliveira Machado

Machado – Com a reforma política, os partidos fortes, a verticalização faz sentido. Mas não tem sentido hoje porque os partidos no Brasil são muito frágeis. O importante é definir uma legislação perene, sejamos maioria ou minoria. Não podemos mudar a legislação só porque somos maioria. O que faz rir hoje, faz chorar amanhã.

ISTOÉ – ISTOÉ ? O sr. concorda com a reeleição?
José Sérgio de Oliveira Machado

Machado – Já fui defensor da reeleição, mas hoje tenho uma visão diferente. Reeleição, ou seja, continuidade, é muito bom nos países que já têm a maioria incluída. No Brasil, onde a maioria está excluída, a reeleição deve ser repensada. O melhor seria um mandato de cinco anos, sem reeleição. Não para a próxima, claro, não defendo casuísmos.

ISTOÉ – ISTOÉ ? O presidente Lula se reelege?
José Sérgio de Oliveira Machado

Machado – O presidente é um candidato bastante forte. Pelo que está realizando, pelo respeito à população mais pobre, pelos empregos que está produzindo. Acredito firmemente num grande crescimento do Brasil neste ano.

ISTOÉ – ISTOÉ ? O sr., que já esteve tanto tempo no ninho tucano, aposta sua fichas nos governadores Alckmin e Aécio ou no prefeito Serra?
José Sérgio de Oliveira Machado

Machado – Não faço mais parte do PSDB. Claro que é importante definir logo quem será o candidato. Assim como cabe ao PMDB decidir se terá candidatura própria ou não. Mas vou repetir: vamos discutir primeiro a agenda do País e depois os nomes. Senão fica essa troca de ataques e isso não bota feijão na panela, não gera emprego, não dá educação, não garante tecnologia, não impulsiona o desenvolvimento. Temos que ser radicais não nas palavras, mas nas idéias. O brasileiro está cansado de discussão só política. Ele quer saber o que farão para alterar sua vida, para resgatar seus sonhos.

ISTOÉ – ISTOÉ ? O presidente Lula chamou setores da oposição de golpistas. O sr. acha que a oposição tem agido corretamente?
José Sérgio de Oliveira Machado

Machado – A oposição no mundo todo é igual. Um dos grandes dogmas da democracia é que só a oposição sabe governar. Quem está no governo tem a limitação do orçamento. Quem está na oposição não tem limites para seus
sonhos, aspirações e desejos. O papel de quem está no governo é fazer e o de quem está na oposição, criticar. E na eleição, cabe ao povo julgar.

ISTOÉ – ISTOÉ ? O sr. viveu por dois anos com seu pai no exílio. Como isso lhe marcou?
José Sérgio de Oliveira Machado

Machado – O exílio, para quem nunca viveu, pode parecer férias. Não é. A vida do exilado é uma vida de angústia, de dor, de saudade. É um sentimento de perda da liberdade. Não se é mais dono do próprio destino, não se pode decidir nem quando voltar para casa. Tudo depende da vontade dos outros. Lembro de uma cena que vivenciei no dia 18 de dezembro de 1964, no aeroporto de Orly, em Paris, quando papai, mamãe e eu fomos acompanhar o presidente Juscelino e dona Sarah que iam embarcar a Márcia para passar o Natal no Brasil. Juscelino não podia voltar. Vi ali um brasileiro sem ódio, sem rancor, chorando copiosamente de saudades do Brasil. Ver um homem desse porte na adversidade é um grande aprendizado. Diziam que tinha feito isso ou aquilo no governo e depois você vê o cara sem um tostão. Esse é o mundo da política. E, curiosamente, foi vendo essas pessoas que quis fazer política. Esses brasileiros sem medo que só queriam mudar o Brasil, transformar, e não puderam. Voltando do exílio, entrei na vida estudantil, participei de todo o movimento de 68, correndo dos cavalos da polícia e do gás lacrimogêneo aqui em frente à Transpetro (na Cinelândia). Conheci o Vladimir (Palmeira), o Zé Dirceu, o (Luís) Travassos, todo um grupo que viveu intensamente esse momento. Por isso luto tanto pela democracia, para que todos sejam respeitados, maioria ou minoria. Todos têm o direito de divergir, de questionar e isso na ditadura não é possível. Por isso sou contra o uso da força, da eliminação política, como essas cassações.