23/02/2005 - 10:00
Nos 49 anos, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) enfrenta um de seus maiores desafios: criar no Brasil o que chama de autoridade produtiva e fazer com que a entidade volte a ter voz na condução da economia. Maior entidade de classe do País e responsável por boa parte do PIB brasileiro, a “nova” Fiesp que Paulo Skaf idealizou conta com um grupo de notáveis, personalidades do mundo empresarial e político que terá a missão de dar qualidade às manifestações da entidade. Esse time de especialistas ficará à frente de conselhos, comitês e departamentos da Fiesp. O deputado Delfim Netto, que preside o Conselho Superior de Economia, por exemplo, será o primeiro a mostrar serviço. Delfim foi encarregado de coordenar um grupo de estudo sobre gasto público, visto por Skaf como o maior câncer dos últimos governos e principal responsável pela chamada “fúria tributária”. O documento, que trará sugestões para redução de despesas públicas, será apresentado ao governo e à sociedade nos próximos meses. Em casa, ele já fez a sua parte. Enxugou despesas na Fiesp e construiu um superávit de R$ 100 milhões. Pai de cinco filhos, todos homens e maiores de idade, e com uma carga de trabalho que consome entre 12 e 15 horas por dia, Skaf tenta arrumar tempo para voltar a nadar. No final da tarde da terça-feira 15, ele recebeu ISTOÉ e falou sobre inflação, dólar e, claro, taxas de juro.
Acho que já cansou essa polêmica de se repercutir os resultados das reuniões do Copom. A política de aumento de juros sem dúvida é prejudicial ao País. Aumenta despesas, prejudica o câmbio e leva o Brasil a uma possível armadilha.
Há um estudo que mostra que o efeito do juro leva no mínimo seis
meses para se manifestar e o do câmbio, de nove a dez meses. Não sou pessimista, mas pode estar certo de que este ano teremos um desempenho bom até por inércia, em razão dos resultados do ano passado. Mas, se não houver uma mudança nesta política econômica, as coisas vão piorar. É possível que haja tempo de uma inversão no momento em que os efeitos negativos começarem a aparecer. Temos que parar de ficar discutindo quinzenalmente os resultados do Copom e partir para mudanças efetivas.
Tem que haver uma ampliação do Conselho Monetário Nacional, que é responsável por traçar as metas da economia. Então o CMN não pode ficar restrito ao BC, ao ministro da Fazenda e ao ministro do Planejamento. Deveriam ser seis, sete membros, com representantes da sociedade, da produção, do trabalho, dos trabalhadores. Assim, as metas seriam fixadas com outras visões. Outra coisa importante é mudar o foco. É como alguém que está com câncer, tem feridas no corpo, está com febre e para se tratar passa creme nas feridas e toma aspirina. Não! Temos que enfrentar o câncer.
É o gasto público, que ao longo dos últimos dez anos cresceu 6% acima da inflação, 6%! Não é um problema deste ano ou do ano passado. Não é à toa que há 20 anos a nossa carga tributária era de 20% do PIB, hoje é de quase 40% e o dinheiro ainda não dá. Então, temos que ir no foco. Temos que combater o gasto público. A carga tributária é efeito, os juros altos são efeito. O problema todo é reduzir gasto público. Para isso temos que trabalhar de forma propositiva.
Através de nosso Conselho de Economia, comandado pelo deputado Delfim Netto, estamos contratando uma equipe de alto nível. A melhor equipe possível, para desenvolver um trabalho profundo ligado a gasto público e encaminhar ao governo e ao Congresso como contribuição.
Não. Temos que encontrar o caminho de resolver isso. Quando se fala no gasto, se fala da Previdência, das despesas vinculadas por força de lei, das despesas livres, etc. Como mexer nisso? Onde estão os focos de desperdício e como enfrentá-los? Esse é o desafio e para isso estamos contratando os melhores profissionais possíveis para mapear e apontar solução.
Espero que até junho esteja pronto. Vamos oferecer esse trabalho ao País. É um estudo que poderá influenciar na formulação do próximo orçamento. Não será mais um projeto a ser encaminhado para o governo. Vamos contribuir apontando soluções, criando um instrumento de pressão que possa ser cobrado pela sociedade. Assim se faz um trabalho propositivo e se rompe com a rotina de, em intervalos de 15 em 15 dias, repercutir decisões do Copom.
Hoje, infelizmente, para investimento só vão 2% do orçamento. Não estamos falando em cortar investimentos. Falamos em cortar desperdícios. O Estado gasta muito e mal. Precisamos gastar menos e bem. Não há dúvidas de que o Brasil precisa investir bilhões em infra-estrutura. Ouço falar que o País precisa de US$ 20 bilhões. Acho isso uma graça. A Espanha precisa investir nos próximos 15 anos US$ 300 bilhões em logística. Ora, se a Espanha, pelo território que tem e pelo que já investiu, precisa de US$ 300 bilhões, não é possível que o nosso problema seja só de US$ 20 bilhões. Mas há muita vontade para investir. Este país tem um potencial enorme. Tanto a iniciativa privada como estrangeiros estão confiantes e dispostos a investir no Brasil.
Precisamos regulamentar logo as PPPs (parcerias público-privadas). Isso dará credibilidade e confiança. Uma PPP para funcionar precisa de dois pontos básicos: primeiro que o negócio dê retorno. E, segundo, a segurança de que o trato será cumprido. Para isso, é necessário a criação do fundo garantidor e a regulamentação.
Não tenho dúvida disso. O grosso já foi. Temos só que tirar as pedras do caminho. Já aprovamos a PPP quando muitos achavam que não seria aprovada. Acho que em 30, 40 dias se consegue concluir esse processo. Além disso, temos caminhos como concessões. E, quando se corta desperdício, reduz carga tributária, reduz informalidade, estimula investimento e cria um ambiente com crédito, juros baixos e crescimento sustentável, obviamente a arrecadação aumenta. Temos exemplos em São Paulo de redução de ICMS e aumento de arrecadação. Fica um novo Brasil.
É verdade, mas quando se pegou o foco do gasto público para valer?
Mas não falo em bater bola. Falo em marcar gol. Então não adianta a bola rolar e não ir ao gol. Não basta o estudo. Precisa apontar as soluções e cobrar para que elas sejam adotadas, com o envolvimento de toda a sociedade, das centrais sindicais. A discussão pode ser antiga, mas o método é novo. A mobilização será diferente, pois todos estamos a favor de enfrentar o câncer. O Brasil está maduro e é um continente de oportunidades. Precisamos contar isso para o mundo. Vamos regulamentar as PPPs e atrair os investimentos.
Precisamos tratar dessas questões com bom senso e equilíbrio, tendo como alvo os interesses do Brasil. Temos que cuidar do meio ambiente, mas temos que ser ágeis nos processos e eliminar burocracias. Estamos dispostos a ajudar nesse processo. Esse é o papel de uma entidade como a Fiesp. Não estamos buscando culpados, mas vamos exigir que as coisas aconteçam, ajudando a tirar as pedras do caminho, e, se houver uma pedra muito pesada que não se remova com diálogo e parceria, então vamos brigar.
Sinto, por parte do presidente Lula, um homem de bom senso e boa intenção. Isso é muito positivo. Também sinto isso por parte do senador Renan Calheiros (presidente do Senado) e do deputado Severino Cavalcanti (presidente da Câmara). Tenho muita esperança de conseguirmos avançar bastante na busca de resultados concretos. O principal é não se contentar em reclamar. Vamos ajudar a resolver, com teimosia e perseverança. A sociedade organizada tem essa disposição e vamos ajudar nisso.
Entendo que resultados de 30% sobre patrimônio líquido é muito. Mas quem diz que banqueiro tem que ganhar menos e que a concorrência entre bancos tem de aumentar é o FMI. O setor financeiro no Brasil está anormal. São distorções que quem paga é a sociedade, mais as pessoas físicas que as jurídicas. Quem trabalha e produz sente na pele a falta de crédito. Hoje temos crédito na faixa dos 27% do PIB, quando já se esteve na casa dos 80%. O Chile tem mais de 60%.
O Brasil tem autoridade monetária. Nosso compromisso é com o que chamamos de autoridade produtiva, o que não termina na Fiesp. É a união dos que produzem. Queremos costurar uma grande união para poder interferir. Temos que fazer isso para contribuir com o País. Estamos iniciando o trabalho para criar a autoridade produtiva, com as centrais sindicais e com os organismos representativos daqueles que produzem. Tudo com muita transparência. Não há mais lugar para pequenas espertezas.
O senador Renan Calheiros é uma pessoa com a qual me relaciono muito bem e há muito tempo. Também com o deputado Severino Cavalcanti temos um relacionamento muito bom e antigo. Não vejo nada de negativo nessas mudanças no Congresso.
Acho que é mais um problema do PT do que do governo. A eleição do deputado Severino Cavalcanti foi uma surpresa, mas essa disputa oxigenou o processo de escolha do terceiro homem mais importante do Brasil, o que é positivo.
Se assim está e assim foi definido pelos parlamentares é assim que será. Acredito que todos estão lutando pelos interesses do Brasil, como faz a Fiesp.
Essa luta ganhou um vulto bastante significativo porque a MP era a gota d’água que faltava. A sociedade está cheia, saturada de aumento na carga tributária. A 232 nasceu de forma antipática, no apagar das luzes de 2004, e trouxe junto com o reajuste na tabela do IR uma série de artigos que elevam a carga tributária, esvaziam o conselho dos contribuintes, prevêem recolhimento na fonte para o agronegócio, taxação na variação cambial contábil para investimentos no Exterior, enfim, tudo isso não agrada. O conteúdo é ruim. E a Fiesp está empenhada em mudar isso.
Estive com o presidente na sexta-feira anterior ao Carnaval e conversamos muito tempo. Essa conversa deu origem a uma reunião com o ministro Palocci (Antônio, da Fazenda), há cerca de dez dias, e haverá outras. Estamos colocando nossos pontos de vista e fazendo a avaliação técnica desses pontos. Espero que na terça-feira haja uma reunião conclusiva com o ministro Palocci. Paralelamente a isso, há movimentos bastante legítimos, de diversas entidades, que a Fiesp está apoiando e está junto. Temos que protestar contra essa MP.
Apoiamos e achamos legítimas as manifestações públicas, mas temos também um compromisso com os resultados. E resultado não se consegue só lamentando e reclamando. Temos que buscar soluções. É nisso que se encaixam as conversas com o presidente e com o ministro Palocci. São coisas paralelas. Acho que há abertura para a modificação de diversos artigos na MP, e até para eliminação de muitos artigos.