23/02/2005 - 10:00
Para um espectador desavisado, as cenas mostradas pelos telejornais da terça-feira 15 e da quarta-feira 16 poderiam ser confundidas com as sangrentas, porém corriqueiras, batalhas noturnas que acontecem em Basra, Karbala ou nas cercanias de Bagdá, no Iraque. Da tela escura, iluminada pelo clarão ritmado dos tiros e pelas barricadas em chamas, vinha o som dos gritos, dos disparos e das bombas de gás lacrimogêneo. O ruído do caos típico das batalhas entre soldados americanos e insurgentes iraquianos. Mas a descrição do locutor identificava aquele teatro de operações como sendo aqui mesmo no Brasil. Mais precisamente em Goiânia. Os soldados não eram americanos, e sim dois mil homens da Polícia Militar goiana, e os insurgentes não eram iraquianos, mas cerca de quatro mil famílias de brasileiros – os chamados sem-teto –, que haviam invadido e ocupado uma área de 968 mil metros quadrados. Do lado da PM, a operação de guerra para desalojar os sem-teto levou o nome de Operação Triunfo. O terreno ocupado tinha sido batizado pelos sem-teto de Sonho Real. O preço do triunfo sobre o sonho real foram dois mortos e dezenas de feridos no lado dos sem-teto e quatro feridos, alguns deles à bala, no lado dos PMs.
O evento acima relatado é apenas mais uma das recentes provas de que a questão da terra e sua posse no Brasil está longe de ter uma solução. O bárbaro assassinato de Dorothy Stang, a freira americana de 73 anos, naturalizada brasileira, é outra. E muito mais veemente. Sua morte a tiros traz de novo à baila, de maneira muito mais drástica, a secular incompetência governamental para lidar com a questão agrária. Movido pela indignação nacional, internacional e – assim acreditamos – por sua própria, o atual governo deslocou o Exército para a região.
Mas a indignação só não basta. É preciso atitudes concretas para apaziguar posseiros, madeireiros, proprietários de terras, membros do MST e dos sem-teto. Para isso é necessário não só vontade política como também muita energia. O que não se pode mais é conviver com a paralisia e a impunidade que tornaram o conflito de terras no Brasil sangrento e corriqueiro como batalhas no Oriente Médio.