Lorde Andrew Lloyd Webber é pop. Ele mesmo admitiu em entrevista a ISTOÉ. Elevou-se também à condição de um “clássico”. O compositor-produtor de musicais recordistas – Jesus Cristo superstar (1971), Cats (1981), Sunset Boulevard (1993), entre outros – é a encarnação do sucesso popular. Está acima do bem e do mal da crítica especializada. Principalmente daquela categoria que domina a mídia e cuja principal tarefa parece ser a de guiar o público ao consumo incondicional. No caso, uma função absolutamente dispensável. Já aqueles que buscam propagar juízos de valor através de exames racionais das obras de Webber são relegados ao limbo. Enfim, uma categoria profissional inócua. Pregam no deserto, pois o público está todo nas casas de espetáculos ao redor do mundo assistindo aos trabalhos que levam a assinatura deste lorde inglês de 57 anos. Exemplo disso: no Brasil estréia na sexta-feira 25 o filme baseado no musical, O fantasma da ópera (The phantom of the opera, Estados Unidos/Inglaterra, 2004), que teve três indicações ao Oscar, trazendo Gerard Butler no papel do Fantasma e Emmy Rossum no da corista Christine por quem o músico desfigurado se apaixona. Na tela está a versão da obra composta e produzida por Webber, que estreou nos palcos de Londres em 1986. Ao mesmo tempo que as bilheterias de cinemas tupiniquins vão engordar a absurda fortuna do milionário autor, em São Paulo o mesmo Fantasma começará a assombrar, em forma de musical teatralizado, no dia 21 de abril.

Esta onipresença coloca lorde Webber como competidor de si próprio – o que não lhe tira o sono: ele mantém a firme convicção de que as pessoas vão engolir todos os seus produtos que estão no mercado. No palco da Broadway, em Nova York,
O fantasma da ópera se mantém por 16 anos e ameaça bater o recorde de 24 anos da peça Cats – produzida e composta por Andrew Lloyd Webber, é claro. Quase
em frente do Majestic Theatre – a casa do Fantasma – uma rede de cinemas
exibe a versão da história para as telas. Existe muita gente que sai dos confins
de Ohio, ou Nebraska, para suportar uma maratona que a leva de uma apresentação a outra no mesmo dia. É dose dupla para elefante – diriam os críticos inócuos.
Nas telas, o que se vê é um espetáculo de teatro filmado. O diretor Joel Schumacher – veterano dos filmes de ação e especialista em explosões –, para não negar
as origens, confeccionou uma autêntica bomba. Em vez de optar pelo kitsch e explorar os divertidos excessos contidos no DNA musical da obra, resolveu
levar o trabalho a sério. O resultado ressalta o gene originário – saído da literatura
de 1911 do francês Gaston Leroux.

Para ISTOÉ, o próprio Webber disse que achou o arrazoado de Leroux confuso,
com “enredo muito complicado”. O apelo da história está em seu romantismo, segundo Webber. Schumacher tem mão pesada demais para as sutilezas de um romance francês. Mas, como se disse, pouco importa. O nome de Andrew Lloyd Webber carregará mais este piano. Mesmo porque suas composições costumam açucarar – a ponto de cristalização – os ouvidos das multidões. Na entrevista que se segue – uma das raras conversas que o compositor manteve com a imprensa –, lorde Webber fala sobre sua receita de sucesso.

ISTOÉ – O sr. está numa posição em que compete consigo mesmo. É difícil concorrer com Andrew Lloyd Webber?
Andrew Lloyd Webber –
Para mim não é. Trata-se de um desafio, em que tento
fazer sempre algo melhor do que fiz no passado. E não creio que seja realmente uma competição. Meus espetáculos são diferentes uns dos outros e não acredito que alguém baseie sua decisão de ir a um espetáculo meu comparando os títulos. As pessoas escolhem as peças que irão ver dependendo de seus estados de espírito, dos temas que as interessam, das críticas do momento, das recomendações de amigos, etc. O fantasma da ópera, por exemplo, não compete com Aspects of love (em produção).

ISTOÉ – O filme O fantasma da ópera chega às telas brasileiras quase simultaneamente à versão teatral musical. Não há o perigo de o filme atrapalhar o musical, afastando o público? Neste caso há uma competição, não é verdade?
Webber –
A coincidência de datas não foi uma decisão minha. O distribuidor do filme tem calendário agendado com muita antecedência e não há consulta aos produtores da versão teatral. De todo modo, assim como em outras partes do mundo, onde a peça está em cartaz juntamente com o filme, acredito que no Brasil o sucesso de ambos possa ser enorme. Temos tido casas cheias em outros países, felizmente, nos dois tipos de espetáculos. Além disso, lembre-se, são dois tipos de veículos distintos, e que apelam para gostos também diferentes.

ISTOÉ – São veículos distintos, mas alguns críticos acham, por exemplo, que o filme é muito teatral. Dizem que se repete na tela aquilo que se fez no palco. É uma crítica justificada?
Webber –
O filme teve direção de Joel Schumacher. Ele é o responsável pela concepção para a tela e quem melhor pode responder sobre a concepção adotada. Mas creio que um formato mais teatral para o filme é justificável. Pense bem: trata-se de uma história que ocorre numa casa de óperas, com personagens ligados ao palco. Baseia-se num roteiro que foi levado ao palco originalmente. Então, faz sentido dar um ritmo mais teatral ao filme.

ISTOÉ – O sr. viu a ópera-rock O fantasma do paraíso, filme do diretor Brian De Palma? O que achou?
Webber –
Vi o filme e achei muito divertido. É bem feito. E não tem nada a ver com minha obra, como se sabe.

ISTOÉ – Quando o sr. leu O fantasma da ópera, o livro de Gaston Leroux pela primeira vez?
Qual foi sua impressão?
Webber –
Li quando era adolescente. Depois reli
quando tinha por volta dos 20 anos. Achei o livro muito confuso. O enredo é muito complicado, no livro. Mas senti que havia grande possibilidade de romantismo. A história literal é confusa, mas o romantismo permite grandes vôos para um compositor.

ISTOÉ – O sr. acha que O fantasma da ópera é
sua obra maior?
Webber –
Não, não faço esta distinção. Trata-se de um de meus melhores trabalhos. Mas todos têm algo de especial. Cats, por exemplo, fez também muito sucesso, bateu recordes de público e é um marco em minha carreira. O importante, porém, não são os recordes de permanência em cartaz, mas, sim, continuar procurando criar espetáculos de qualidade. Sempre procurando melhorar.

ISTOÉ – O filme de agora parece seguir uma linha sua muito própria: a de preferir intérpretes jovens, de certo modo desconhecidos, em detrimento de nomes mais consagrados. Qual a razão desta tendência?
Webber –
Bem, Emmy Rossum foi escolhida pelo diretor Schumacher, e não por mim. Mas concordo plenamente com a escolha. É preciso lembrar que a personagem Christine tinha 16 anos. É muito difícil encontrar alguém experiente que se pareça com uma garota de 16 anos, e mesmo assim consiga uma interpretação como a de Emmy, que tem treinamento operístico. Ela tem frescor próprio e é uma excelente cantora. Já em outras produções, nas quais tive de fazer escolhas de atores e cantores, as decisões foram baseadas nas opções de momento. Geralmente, um grande nome da música tem agenda apertada e cheia. É difícil encontrar alguém que deseje se comprometer por anos a fio com um único espetáculo. De todo modo, não tenho nada contra trabalhar com os grandes nomes. Lembre-se que já trabalhei com Celine Dion.

ISTOÉ – Por que a adaptação para as telas demorou 18 anos? Afinal, a versão teatral já faz sucesso desde 1986, em Londres.
Webber –
Foram questões que envolveram agenda, escolhas de parcerias, momentos adequados para se fazer a versão cinematográfica. O tempo foi passando, os outros compromissos tomando o tempo das pessoas, e o filme ficou em segundo plano. Mas eu sempre soube que um dia ele entraria em cartaz.

ISTOÉ – Como o sr. compara as experiências que teve nos filmes Evita e O fantasma da ópera?
Webber –
São duas criaturas totalmente diferentes. Não faço esta comparação.

ISTOÉ – O sr. pertence a uma geração que ficou famosa no rock, na música pop, como Elton John, David Bowie, Cat Stevens e Jimmy Page, para citar apenas alguns. Por que o sr. optou pelos musicais e não pelo pop?
Webber –
Sempre gostei de musicais. Lembre-se de que meu pai (William Lloyd Webber, professor do Royal College of Music) era compositor. Minha trajetória
foi de escolha consciente. Eu gostava de teatro e de música. Juntando os dois, resultava em musical. Assim, optei por esta via. Mas a definição de pop é muito abrangente. Minhas obras também são populares, são pop. Muitos intérpretes rotulados de pop já incluíram composições minhas em seus repertórios. Deste modo, também sou pop.