23/02/2005 - 10:00
Primeiro homem a caminhar no espaço, em 1965, o cosmonauta russo Aleksei Leonor era outra pessoa quando colocou seus pés de volta na Terra. Virou místico, pintor de cenários siderais e, sobretudo, um homem mais humilde. “O que mais me impressionou foi ver que, de longe, a Terra é tão pequena e frágil que não faz sentido tanta guerra, diferença racial e religiosa. Devíamos cuidar e proteger a nossa casa”, disse Aleksei num passeio pelo calçadão de Copacabana, em 2000.
Não é preciso romper a atmosfera para observar os efeitos da expansão humana. Daqui mesmo se podem ver os rasgões nas florestas que dão
lugar às cidades, a fumaça das chaminés, a
poluição dos rios e o rastro de fogo que limpa o terreno para futuras fazendas produtivas. Na semana passada, depois de sete anos de expectativa, a humanidade deu o primeiro passo para reverter os danos acumulados desde o início da Revolução Industrial, no século XVIII.
Na quarta-feira 16, entrou em vigor o Protocolo de Kyoto, um dos mais importantes documentos em defesa do meio ambiente, que só virou realidade depois da adesão russa. A cerimônia foi na cidade japonesa de Kyoto, mesmo local onde o tratado foi assinado em 1997. O evento histórico contou com a presença da ambientalista queniana Wangari Maathai, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz. Fundadora de uma campanha para salvar os bosques africanos, ela lidera o maior projeto de plantio de árvores da África. As florestas, aliás, são a grande panacéia para a alteração do clima. Em seu processo de crescimento, elas absorvem o carbono e jogam de volta o oxigênio.
Numa primeira etapa, só os 35 países industrializados, que compõem o chamado Anexo I, terão de reduzir a emissão de gases responsáveis pelo efeito estufa, que provocam o aquecimento do planeta. Os idealizadores do protocolo levaram em conta o tempo que cada país contribuiu de forma negativa para o meio ambiente. Nações emergentes, como Brasil, China e Índia, só começaram a jogar gases tóxicos recentemente. Por isso, só terão de cumprir o acordo depois de 2012.
Do ponto de vista científico, o protocolo não deve trazer resultados relevantes. Para conter a poluição acumulada, seria necessário uma redução de 60% na emissão de gases, principalmente o gás carbônico (CO2), resultante da queima de combustíveis fósseis. A entrada em vigor do tratado mais ambicioso do planeta, com a assinatura de 141 nações, é mais uma vitória diplomática. “A redução é modesta e representa o primeiro passo de uma ação futura maior. Kyoto vai demonstrar que é possível reduzir as emissões sem prejudicar a economia”, afirma Carlos Nobre, pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O tratado de Kyoto é visto com bons olhos mesmo sem a ratificação dos EUA, responsáveis por um quarto da emissão mundial de gases tóxicos. O principal argumento do presidente George W. Bush para a não adesão é de que a ação multilateral prejudicaria a economia americana. Além disso, Bush discorda da não-inclusão dos países em desenvolvimento nessa primeira fase. “A verdade é que ele representa a velha indústria do petróleo e não quer competir com as três superpotências do momento, que são o Brasil, a China e a Índia”, diz a americana Hazel Henderson, autora do livro Cidadania planetária. “Na nova economia, a riqueza das nações se mede em recursos naturais e em valores como qualidade de vida, do ar e da água.”
A recusa americana ganha novos críticos a cada dia. A Climate Action Network, rede mundial que reúne 340 ONGs, adotou a música Apesar de você, de Chico Buarque, como tema das festividades para comemorar o início do acordo. A canção, traduzida para o inglês, é uma cutucada no presidente dos EUA. A intenção é mostrar que, apesar de Bush, o acordo vingou.
Tudo indica que a pressão internacional deve forçar a entrada dos EUA e da Austrália, que também ficou de fora do Protocolo de Kyoto. Tony Blair, o primeiro-ministro britânico, avisou que vai insistir para que ambos participem do esforço global. “Sem incentivo para desenvolver tecnologias limpas, é natural que outros países tomem a dianteira. Se daqui a dez anos os céticos concordarem que as mudanças climáticas são reais, os EUA estarão defasados. Duvido que eles vão ficar de fora”, diz Nobre.