É a vingança da arte pela arte. Até recentemente, o conceito de obra sem conteúdo político-social era execrado pela crítica especializada em artes plásticas. Foi preciso que Christo descesse das alturas – no caso, de seu ateliê no quinto andar de um prédio de lofts, no Soho de Manhattan – e operasse um milagre para que este preconceito caísse em descrédito. O acontecimento formidável começou no dia 12, no Central Park, um santuário natural reverenciado com devoção religiosa em Nova York, e ficará submetido à curiosidade pública até 27 de fevereiro. Operou-se a multiplicação das cortinas, 15 mil delas. Trata-se da maior manifestação física artística desde o erguimento da Esfinge de Gizé, no Egito antigo, em 4500 a.C. Demorou 26 anos para sair do papel, empregou 2.214.564 metros quadrados de tecido de náilon, 263,023 metros de linhas de costura, 132 quilômetros de postes plásticos e US$ 27 milhões – dinheirama saída dos bolsos do próprio autor, que também é craque na multiplicação de moedas correntes. Este Christo, entenda-se, é o artista búlgaro de 69 anos, mais conhecido por embrulhar mobiliário e grandes monumentos – como o Bundenstag, o Parlamento alemão em Berlim, em 1995, e a Pont Neuf de Paris, em 1985. Seu prodígio atual não empacotou nada; plantou 7.500 portais com cortinas cor de açafrão (alaranjada) e é intitulado The gates: Central Park, 1979-2005, New York.

Christo, justiça seja feita, não concebeu esta maravilha sozinho: teve a ajuda de sua mulher, Joanne-Claude, que recentemente passou a co-assinar as obras. Desde 1980 eles lutavam pela aprovação desse projeto, esbarrando sempre na oposição acirrada de autoridades e cidadãos nova-iorquinos. Na primeira recusa, o principal motivo apontado para a esnobada eram os 30 mil buracos que seriam cavados na terra, asfalto, pedras e em outras superfícies do parque para acomodar os postes. O conceito original de Gates (portões) continha o dobro de cortinas. O The New York Times, na época, esculhambou com a idéia. A revista Rolling Stones ridicularizou obra e artista – sua famosa fotógrafa, Annie Leibovitz, aproveitando a ausência da guardiã Joanne-Claude, retratou Christo embrulhado em tecidos azul, vermelho e branco, em meio ao parque.

Diante de toda essa oposição raivosa, Christo adotou a filosofia: “Pai, perdoai-os. Eles não sabem o que fazem.” O tempo tratou de provar que seus corredores de cortinas, ao longo de 54 quilômetros em toda a extensão do Central Park, desde a avenida Central Park South até a rua 110, no Harlem, era um maná dos céus para a cidade. Com a eleição de Mike Bloomberg para prefeito, fervoroso defensor das artes públicas, o evangelho de Christo e Joanne-Claude começou a fazer discípulos. O projeto original foi reduzido de 30 mil para 15 mil postes. O problema dos buracos que profanariam o piso sagrado do parque foi resolvido com o emprego de bases de metal que ancoram os postes plásticos. Assegurou-se que as molduras, na forma de gols de futebol, pudessem suportar ventos e tempestades, uma capacidade que poderia ser mantida por meio século. Evitaram, desse modo, os riscos da repetição daquilo que aconteceu noutra instalação do autor, The umbrellas. Aquela obra compreendia 3.100 guarda-sóis plantados na Califórnia e no Japão. Um pé-de-vento mais tinhoso fez com que uma daquelas peças alçasse vôo, atingindo a testa de um incauto espectador, que morreu instantaneamente.

Os mais de um milhão de visitantes que acorreram à abertura oficial de Gates, num sábado de sol brilhante de inverno, não foram alvejados pela obra. Christo, visivelmente exausto, exibia o sorriso santificado de um profeta. Seu cansaço era decorrente da média de 16 horas de trabalho diário e de várias noites viradas em clarão, assinando gravuras, fazendo pinturas, montando pôsteres, vendidos para custear a instalação do parque. As peças menores desse esforço comercial tinham preço de US$ 30 mil, e as maiores, painéis do projeto Gates, saíram por US$ 600 mil. Uma bagatela, tratando-se de originais, pois no site americano de leilões eBay, o adolescente Dane Kolomatsky, 15 anos, vendeu um tubo de papelão que serviu de invólucro para um dos postes de Gates e que ele achou na rua 72, por US$ 1.200. O eBay atualmente oferece 170 itens relacionados com esse projeto, com preços que já atingem até US$ 2 mil. Outros que lucraram foram os comerciantes da região. Vários restaurantes viram seus estoques esgotados: até mesmo uma prosaica galinha era impossível de ser obtida. Seria demais pedir a Christo que também as multiplicasse. Este artista embrulhão – no bom sentido, é claro – já fez demais: trouxe a primavera ao Central Park em pleno inverno.