12/12/2002 - 10:00
Nunca os brasileiros tiveram tanto orgulho dos próprios espumantes. Nos últimos dois anos, eles receberam mais prêmios em concursos internacionais do que os proseccos italianos e os cavas espanhóis, por exemplo, e se tornaram o tesouro etílico do hemisfério sul. Recentemente, Bento Gonçalves, a 125 quilômetros de Porto Alegre, sediou o 1º Concurso Internacional do Vinho do Brasil e comprovou o que os produtores da região já sabiam: é melhor festejar com o produto nacional! Doze espumantes gaúchos receberam medalhas de ouro e outros 18, medalhas de prata. O Excellence Brut Réserve, da Chandon, preferido pela maioria dos críticos e enólogos, foi um dos vencedores. A tradicional Salton emplacou duas plaquetas douradas, uma pelo Espumante Moscatel e outra pelo Volpi Reserva Ouro. Também a Aurora confirmou sua fama com o Gran Millesime Champenoise. Não à toa, o enólogo-chefe da vinícola, Antonio Czarnobay, acaba de ser eleito 1º vice-presidente da União Internacional dos Enólogos, com sede na França. É a primeira vez que a América do Sul está representada na direção da entidade.
Os grandes felizardos foram os produtores do Vale dos Vinhedos, região com oito mil hectares que engloba um distrito de Bento Gonçalves e pequenos trechos de Garibaldi e Monte Belo do Sul, na Serra Gaúcha. Três das 22 vinícolas do Vale levaram medalhas de ouro por seus espumantes: a Casa Valduga, a Cordelier e a Marco Luigi. Como se não fosse suficiente, a região acaba de receber um certificado de indicação geográfica de procedência. A partir de agora, os vinhos produzidos no Vale dos Vinhedos – quando desenvolvidos com pelo menos 85% de uvas locais e cumprirem metas estabelecidas em um regulamento – poderão condecorar seus rótulos com um selo especial comprovando o pedigree. É a primeira vez que uma região brasileira recebe um certificado como esse, primeiro passo para a obtenção do DOC, Denominação de Origem Controlada, que protege e classifica vinhos do mundo inteiro. Champagne, Porto, Cognac, Douro e Dão são algumas das regiões contempladas. Apenas em Portugal, país do tamanho do Rio Grande do Sul, existem 19 denominações de origem e 29 indicações geográficas.
Para conquistar o certificado, conferido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, as vinícolas locais, também chamadas de
cantinas, fundaram em 1995 a Associação dos Produtores de Vinhos
Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale). “Além de brigar pela denominação de origem, sempre tivemos como objetivo promover o enoturismo”,
conta Juarez Valduga, vice-presidente da associação e proprietário
da Casa Valduga, pioneira na região. Sua cantina, que também funciona como pousada, serviu de locação para o filme O quatrilho, de Fábio Barreto, e oferece ao visitante a possibilidade de, em janeiro,
participar da colheita das uvas e amassá-las com os pés.
Pelo menos 60 mil turistas visitam anualmente o Vale. Conhecem a
linha de produção e o processo de maturação dos vinhos e espumantes
em caves subterrâneas. Nenhuma
visita termina sem um ritual de degustação. Algumas cantinas
oferecem, sob encomenda, jantares entre barris de carvalho. Preocupadas em oferecer novidades, os proprietários estão sempre inovando. A Miolo, por exemplo, promete inaugurar em 2004 o primeiro Spa do Vinho do Brasil, onde oferecerá banhos terapêuticos e uma linha de produtos à base
de uvas, como o esfoliante feito com sementes.
Clima – O mérito do Vale dos Vinhedos é indiscutível, principalmente no que diz respeito aos espumantes. Os resultados dos concursos refletem o cuidado dos produtores aliado às características locais. “As condições climáticas da Serra Gaúcha são parecidas com as de Champagne. As uvas são ácidas e não amadurecem direito. Essas características são péssimas para o vinho e excelentes para o espumante”, compara o crítico Saul Galvão. “O Brasil não deveria fazer outro tipo de vinho. O espumante do Sul é para se desfrutar sem cantar o hino, sem ser nacionalista”, diz. As poucas vinícolas que resistiam a produzir espumantes tiveram de retificar. “A Miolo entrou no setor há três anos e, já em abril, foi à Itália buscar a grande medalha de ouro do concurso Vinitaly”, conta Antonio Miolo, um dos diretores da casa. O vencedor foi o Terranova Moscatel, um tipo de Asti feito com uvas do Vale do Rio São Francisco que se sagrou campeão na casa dos adversários. Sua façanha só é comparável à do Marcus James Chardonnay Brut da Aurora, medalha de ouro no Vinalies Internationales 2001, realizado no país do champanhe.
Tudo isso fez crescer a credibilidade dos espumantes nacionais e contribuiu para sua popularização. “O espumante sempre foi associado ao réveil-lon. Agora começa a ser degustado no dia-a-dia”, festeja o presidente da Sociedade Brasileira dos Amantes do Vinho (Sbav), Aguinaldo Záckia Albert. Com tanta boa notícia, novas denominações geográficas devem surgir na Serra Gaúcha, seguindo o caminho aberto pelo Vale dos Vinhedos. “Muitos consumidores podem entender errado e achar que só no Vale são produzidos vinhos de qualidade. Mas há muitas regiões com potencial para receber um certificado”, defende Ayrton Luiz Giovannini, da vinícola Don Giovanni. Seu Espumante Brut está entre os melhores do mundo e compete de igual para igual com qualquer vinho do Vale. Localizada em Pinto Bandeira, a 14 quilômetros dali, sua vinícola namora o selo de indicação geográfica Vinhos de Montanha, adotado pelas vinícolas do município, enquanto outros produtores do Estado começam a batalhar selos como Vale Aurora, Vale das Antas e Vinhos da Campanha. A Salton, por exemplo, inaugura em 2003 a maior indústria de vinhos do País no Vale das Antas e promete batalhar por um DOC. Até a microrregião de Mato Perso, onde fica a vinícola Giacomin, pode disputar uma denominação. Mas, no mercado de espumantes, ser desenvolvido no Brasil já é um belo cartão de visita.