23/02/2005 - 10:00
O sertanejo Severino Cavalcanti, 74 anos, novo presidente da Câmara dos Deputados, é antes de tudo um forte. Sua força vem dos 300 votos semeados na caatinga rasteira da Câmara em troca da promessa de adubar as contas bancárias dos deputados. Sua força brota da fraqueza do governo e do PT, que levaram uma sova histórica na briga pelo comando da Câmara. Das juras não cumpridas do Planalto, das trapalhadas na imposição do candidato da cúpula petista e da exaustão dos aliados que, encobertos pelo voto secreto, ficaram à vontade para trair e mandar um recado ao Planalto. Nascido no interior de Pernambuco, Severino é um católico ortodoxo, implacável defensor da propriedade e discípulo do regime militar. Foi responsável nos anos 80 pela expulsão do padre italiano Vito Miracapillo, que se negou a rezar uma missa de 7 de setembro para a ditadura. Quem tem mais de 40 anos dificilmente deixará de compará-lo aos arautos da TFP, a organização de direita que defendia tradição, família e propriedade. É contra o aborto, o divórcio, a união de homossexuais e critica os experimentos científicos. “Às vezes, eu evoluo”, diz agora, ao falar das pesquisas de célula-tronco. O fraco deste sertanejo – a palavra nua e crua, direta e contundente – pode lhe custar fortes dores de cabeça. Nesta entrevista, Severino diz que vai aumentar os salários dos deputados, critica a Igreja, pede cadeia para o MST e prega censura na tevê.
ISTOÉ – A que o senhor atribui a vitória?
Primeiro ao trabalho. Plantei uma boa semente e estou colhendo um bom fruto. O governo vai ter que pensar e ver o que os ministros estão fazendo. Ou o governo muda o tratamento aos deputados ou vai ter derrotas e mais derrotas aqui.
ISTOÉ – Qual é a falha dos ministros?
Severino – Não quero citar nomes. Aqueles ministros que não dão atendimento ao parlamentar vão ficar receosos. Deputado não é menino de recado. Deputado
tem uma delegação e é preciso ser respeitado. Os ministros desrespeitam:
não se justifica um deputado passar semanas pedindo audiência. Quando é atendido fica três, quatro horas nas ante-salas esperando para falar com o
terceiro ou quarto escalão.
ISTOÉ – E como isso vai acabar?
Severino – Eu vou falar com o presidente Lula para que os ministros dêem um tratamento digno aos parlamentares. É difícil encontrar um ministro que trate bem.
ISTOÉ – E se continuar o desrespeito?
Severino – Aí ele vai ver, com a minha eleição.
ISTOÉ – Foi a vitória do proletariado contra a elite política?
Severino – O baixo clero é aquele sofrido, a maioria silenciosa que fica aqui e não pode reclamar. O voto secreto foi a salvação. O baixo clero chegou ao poder. Eu fico feliz porque eles (PT) têm essa bandeira (proletariado no poder) e quem usou fui eu.
ISTOÉ – O PT é o partido dos sindicatos e quem ganhou foi o presidente do sindicado dos deputados…
Severino – Isso não me humilha, não fico aborrecido. Saiu no jornal: Só o
baixo clero fica com Severino. Minha filha ligou e disse: ‘Você viu o que saiu no jornal?’ Eu digo: ‘Que maravilha, minha filha. Você que é do alto clero aí da Assembléia (a filha é vereadora no Recife) não lhe botam no jornal, mas seu
pai é do baixo clero mesmo’.
ISTOÉ – O sr. vai aumentar os salários?
Severino – Vou fazer imediatamente. Vai ser o exatamente o que está na Constituição: equivalência salarial ao maior salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Eu acredito que os deputados vão preferir ganhar o maior
(R$ 21,5 mil).
ISTOÉ – O sr. não teme ser chamado de fisiológico?
Severino – Se me chamarem de fisiológico, será a maior injustiça. Sou um deputado que vive do meu salário. Não tenho empresas, não tenho ninguém que me financie e não pertenço a sindicatos que financiam eleições.
ISTOÉ – O sr. tem posições conservadoras em vários temas: aborto, células-tronco, divórcio …
Severino – Eu tive na primeira eleição 32 mil votos, na segunda fui para 52 mil e na terceira fui para 83 mil. Nunca mudei.
ISTOÉ – Mas o mundo mudou. O sr. não teme ficar obsoleto?
Severino – Não, porque minha idéia é a mais pura: defender a família. Todo país que não defende a família naufraga. Esses países do Primeiro Mundo, como os próprios Estados Unidos, estão fazendo uma mudança. Você vê o que aconteceu nessa eleição agora do Bush (George W. Bush). Ele ficou contra o homossexual, contra o aborto e foi consagrado.
ISTOÉ – O sr. admira Bush?
Severino – Eu discordo de certas posições dele, mas não deixo de elogiar o eleitorado que votou nele, porque ele defendeu aquilo que devia defender, que é a consagração da família.
ISTOÉ – O Vaticano, na sua opinião, está muito liberal?
Severino – Às vezes eu discordo do que o Vaticano aprova. Tem algumas coisas que eu não aceito muito. Eu talvez seja mais conservador que o Vaticano. Esse negócio de padre casar, que já estão aceitando lá, eu acho um absurdo. Padre não é para casar. Padre é para fazer com que se respeite a vida dele e não dê esses exemplos de padre estar se amigando, se juntando.