02/06/2004 - 10:00
Terceiro maior banco do País, a Caixa Econômica Federal (CEF), uma das instituições mais históricas do País, vive uma experiência nada ortodoxa no governo Lula: está sob a guarda de um ex-comunista que há 30 anos lutava contra a ditadura, chegando a ser preso, torturado e exilado. Mas o economista gaúcho Jorge Mattoso – formado pelo Instituto Universitário de Estudos do Desenvolvimento, em Genebra, com mestrado pela Sorbonne e doutorado na Unicamp –, hoje com 54 anos, faz questão de mostrar seu lado capitalista também. Sua meta é conciliar valores aprendidos na cartilha ideológica esquerdista (igualdade e justiça social) com os do livre mercado: a competitividade e a busca do lucro. Sua tarefa não é pequena à frente da CEF, nascida há 143 anos, por decisão do imperador dom Pedro II, com o intuito de oferecer empréstimos e incentivar a poupança popular. Como bom revolucionário, Mattoso segue à sua maneira a máxima de Che Guevara (“Hay que endurecer sin perder la ternura jamás”). Endurece na guerra da selva capitalista, buscando aumentar seu
espaço e melhorar cada vez mais sua performance no ranking financeiro, oferecendo produtos atraentes para o público de classe média que quer atrair. Mas, ao mesmo tempo, não perde a ternura, ao manter e até aumentar a função social, que no passado fez com que os escravos depositassem suas parcas economias para comprar a alforria. Na segunda-feira 31, Mattoso anuncia um novo passo, fora do Brasil: lança o cartão da CEF para que os brasileiros que moram nos EUA possam remeter dinheiro para o País.
A Caixa tem tido um desempenho muito positivo em todas
as áreas, eu diria até inovador. No primeiro trimestre de 2004, a Caixa teve o maior lucro líquido de sua história (R$ 404 milhões) e colocou recursos de crédito na área de habitação e saneamento como em nenhum outro momento. Aumentamos em 30,6% o crédito comercial e de desenvolvimento urbano (R$ 6,4 bilhões), em comparação a março de 2003. Investiremos 70% a mais do que no ano passado em habitação e saneamento. Portanto, a CEF tem feito o possível para alavancar recursos, de diferentes fontes – do FGTS, FAT, Orçamento Geral da União, de outros ministérios e recursos próprios –, para favorecer a expansão do crescimento econômico e da atividade produtiva.
Nossa tendência é de olhar para trás. O processo de recuperação da atividade produtiva e da atividade econômica foi no ano passado. Em 2004, não
está sendo lento. Os dados de emprego, do PIB, que serão anunciados, vão
mostrar que o crescimento tem sido acentuado neste primeiro trimestre. Houve
uma lentidão maior do que a esperada no ano passado, a partir da redução da
taxa de juros em julho, mas esse processo foi retomado, o que deverá garantir os 3,5% de crescimento. Nossa expectativa, e esse é o grande desafio, é tornar esse crescimento sustentado em taxas de investimentos apropriadas. Isso significa, além do esforço feito na área comercial, acelerar o processo da Parceria Público-Privada (PPP) e criar mecanismos de investimentos.
O primeiro semestre do ano passado foi muito difícil. Foi necessário,
em razão do legado, tomar atitudes drásticas do ponto de vista fiscal e monetário.
É óbvio que teve efeito no crescimento, que foi de zero. Passou um ano e todos sabem que o período de graça dura um tempo, mas acredito que as expectativas, que são muito grandes, serão cumpridas. As pessoas vão ver o crescimento, vão
ver as taxas de desemprego baixarem.
No ano passado investimos R$ 5 bilhões em habitação e mais de R$ 1,7 bilhão em saneamento. Os gastos de saneamento foram os maiores já realizados nos últimos dez anos. Na semana passada, assinamos contratos de mais R$ 2 bilhões com Estados, municípios e empresas de saneamento. Isso já se reflete no emprego. A Caixa é responsável por 91% dos financiamentos de habitação e saneamento. Isso só é bom se eu olhar para o umbigo da Caixa porque demonstra a responsabilidade social da instituição e do governo. Para que a construção civil tenha o desempenho que teve no passado, com relação à geração de emprego e renda, é indispensável uma maior participação do setor privado. Por isso estamos apostando nos fundos imobiliários e de direitos creditórios. Estamos inclinados a mexer com mercado de capitais a partir de uma maior participação privada.
Essa foi a ação mais marcante da Caixa no ano passado, apesar de ela ter se saído tão bem na área comercial, de transferência de benefícios, de habitação e de saneamento. Esse processo de inclusão bancária é algo inusitado no mundo.
Em um ano vamos bater em 1,7 milhão de contas simplificadas de pessoas que não tinham acesso ao sistema formal de crédito. Além disso, tem o crédito rotativo, que já está beneficiando 500 mil pessoas
(R$ 200 a uma taxa de juros de 2% ao mês). São pessoas que muitas vezes estavam nas mãos de agiotas. É um processo verdadeiramente revolucionário num país desigual, no qual uma parcela muito grande não tem acesso ao sistema financeiro, 50% da população economicamente ativa que está na informalidade e não podia ter conta em banco. Para a conta ser aberta só precisa de identidade e de CPF. Para usar o crédito rotativo é necessário três meses de conta em movimentação e não ter restrição cadastral.
Nos últimos anos, a Caixa perdeu mercado sobretudo nos grandes centros urbanos, e o nosso objetivo agora é melhorar o atendimento à população brasileira porque é a única instituição financeira que não atende exclusivamente a seus clientes. Ela atende um conjunto da população ao fazer pagamentos sociais, políticas públicas, crédito habitacional, etc… Para isso, estamos ampliando em 500 o número de agências até 2006 e criando mais de oito mil correspondentes bancários, o que significa colocar serviços próximos ao local de moradia. O correspondente bancário é uma máquina da Caixa operada pelo dono de um estabelecimento comercial. O que permite às pessoas fazerem pagamentos de água, luz, telefone, depósito, retirada, transferência. Acabamos de inaugurar um no alto da favela da Rocinha. Isso tem sido muito importante e útil para os pequenos empreendedores, que assistem ao movimento de seu estabelecimento aumentar. Ao contrário do que se imagina, reduz a violência, porque reduz o caixa do comércio. Vamos chegar
a dez mil correspondentes até 2006. Temos hoje 2.300, nove mil agentes lotéricos e 2.100 agências, um total de 14 mil pontos-de- venda. Vamos saltar para 22 mil pontos- de-venda até 2006.
A Caixa ficou identificada como um banco que tem filas, mas isso já está revertendo. Hoje ela não está mais no ranking de reclamações do BC. Sua imagem num passado recente era de um banco público com desempenho nas áreas de habitação, saneamento e pagamento de programas sociais, mas sem um bom desempenho na área comercial. Conseguimos neste ano e meio mudar isso. A Caixa tem uma participação pequena junto a empresas e estamos alterando isso. Precisamos disputar o mercado da classe média de novo. Não devemos aceitar a idéia de que a Caixa é um banco dos pobres, que não é para ter lucro. É um banco do povo brasileiro e tem que abrir o caminho aos pobres, melhorar as condições de atendimento, além de disputar a classe média e as empresas.
Porque você terá acesso mais facilitado ao crédito habitacional
(R$ 1,2 bilhão só para a classe média), entre outros, e porque as taxas de juros
para a pessoa física não têm competidor no mercado. A Caixa não pode ficar no córner do ringue. Ela é o terceiro banco do País, tem R$ 160 bilhões de ativos próprios, fora os do FGTS (R$ 185 milhões). Trata-se de um banco que tem
um tripé: comercial, desenvolvimento urbano e de transferência de benefício
que precisam ser integrados. Não cabe divisão, tem que ser visto na sua integralidade e isso a gente está começando a fazer. Essa imagem vai se
cristalizar, principalmente quando melhorarem os serviços. As pessoas
precisam ver na Caixa algo mais além da segurança.
Mas é o que sempre foi. A poupança na Caixa faz parte da história do Brasil. Quando foi criada há 143 anos, os primeiros clientes eram escravos que abriam poupança para comprar sua alforria. Ao longo da história a Caixa sempre foi dedicada à instituição da poupança e isso deve continuar. A poupança vai retomar seu espaço. Assim que as taxas de juros diminuírem um pouco mais, a poupança da Caixa, além de segura, vai se transformar num mecanismo rentável, que permitirá alavancar mais recursos para habitação e saneamento.
Com relação à taxa de juros, tenho certeza. Já é visível o esforço de outros bancos na área de correspondentes bancários, tanto em privados como públicos. Essa foi uma área inovadora.
Não. Deixou marcas pessoais. Eu e minha equipe ficamos muito desgastados. Não estávamos habituados a uma situação dessa natureza. Mas para a Caixa não houve problema, não houve retiradas de depósitos ou coisa parecida. O que as pesquisas apontam é que a Caixa, no geral, é muito identificada por Estado e não com o governo federal. Mas,
quando se fala em conta simplificada, oito em dez entrevistados identificam isso com o presidente Lula. Logo, uma denúncia como essa não é vista como algo que afete a Caixa ou o Estado.
Os contratos vão até 2005, pelo menos.
Nós defendemos, e por isso o conflito jurídico com eles, que devíamos partilhar o contrato em quatro. Por isso a GTech conseguiu uma liminar na Justiça que barrou o parcelamento. Até hoje a Justiça não se pronunciou.
Optamos pelo atletismo e os para-olímpicos. Primeiro, porque não
temos tantos recursos, segundo. porque precisávamos ter um foco. No caso do atletismo, tem uma aderência muito grande com o cliente, com a luta do povo por melhorar suas condições de vida. É um esporte muito democrático. Os recursos investidos têm elevado a quantidade de medalhas. Os para-olímpicos fazem parte
da imagem de responsabilidade social da Caixa. A idéia da superação dos desafios, apesar das dificuldades.
A Caixa nunca teve inserção no Exterior. Pela primeira vez, começamos a articular algumas ações. Firmamos convênios com países africanos e latino-americanos e ampliamos a participação no mercado de câmbio. A América Latina está interessada no know how da Caixa com uso de cartão eletrônico, sobretudo para pagamento de programas sociais. O interesse da África é na área de habitação. Além disso, lançamos na segunda-feira 31 um cartão específico para brasileiros que moram no Exterior e remetem recursos para o País. Eles precisarão ter um cartão de crédito com bandeiras Visa ou Credicard. O interessado deve abrir, pelo site da Caixa, uma conta para remeter dinheiro para o Brasil. Também poderá aplicar em poupança, investir em consórcio imobiliário ou em previdência privada. O mercado potencial oficialmente é de US$ 2,8 bilhões, o total que entra no País legalmente por ano. Não oficialmente esse valor pode ser triplicado. É um mercado que engloba EUA, Europa e Japão. O cartão será lançado em Nova York no dia 23 de junho. Em Portugal será em setembro. No Japão ainda não temos data marcada.