02/06/2004 - 10:00
O cinema russo sempre foi uma usina de radicalidade. Portanto, não é com estranheza que se recebe O retorno (Vosvrashcheniye, Russia, 2003), filme de estréia de Andrei Zvyagintsev, em cartaz em São Paulo. Impregnado de arroubos estéticos, o longa-metragem, no entanto, impressiona mais pelo rigor com que o diretor observa o estado de ânimo da Rússia atual. Embora simples, o título poderia ser visto como eco do conceito psicanalítico chamado “retorno do recalcado”, que define a volta à consciência de uma situação conflituosa e reprimida. No caso, o fantasma do patriarcalismo que os russos parecem conhecer bem desde a era Stalin.
Passado numa cidade litorânea e fria, o filme conta a história dos irmãos Andrei (Vladimir Garin) e Ivan (Ivan Dobronravov). Num belo dia, eles chegam em casa e encontram dormindo na cama o pai que eles nem sequer conheceram. Num enquadramento que reproduz a tela O Cristo morto, de Andrea Mantegna, a imagem mostra um homem de quem o espectador não sabe o nome, muito menos seu passado obscuro. Contudo, ancorado em referências bíblicas, o bem-vindo Zvyagintsev transforma o reencontro do pai com os filhos numa densa parábola repleta dos simbolismos comuns à alma russa.