02/06/2004 - 10:00
Duas mulheres e um homem se instalam num casarão aos pedaços no centro do Rio de Janeiro e, sob o estímulo do álcool, se entregam a jogos amorosos e intelectuais. Esta é a leitura de superfície de Filme de amor, em cartaz no Rio de Janeiro e em São Paulo. Mas na visão do diretor Julio Bressane o entrecho mínimo serve para romper o tempo cronológico e, assim, permitir ao espectador explorar as múltiplas camadas de um encontro que se mostra mais e mais misterioso.
Não é um filme de fácil assimilação, embora Bressane, um adepto do cinema antinarrativo, afirme ter criado uma fábula popular. Entre observações filosóficas e eróticas, Hilda (Bel Garcia), Matilda (Josie Antello) e Gaspar (Fernando Eiras) incorporam o mito grego das Três Graças, representantes da beleza, do prazer
e do amor, trindade criada por Vênus. Com fotografia em preto-e-branco e em
cores de Walter Carvalho, o filme também reproduz algumas telas relacionadas
ao desejo sexual, entre elas A origem do mundo, de Courbet, Maja desnuda,
de Goya, e outras cinco de Balthus.
Nas imagens de alta voltagem poética, chama a atenção a sequência do transe dos amantes voando pelas paredes. Outro momento inspirado se dá quando Hilda, de roupa íntima, sai do quarto para colocar leite num pires e passa a seguir o miado de um gato escada abaixo. Desenhando uma trajetória de sonho, a câmera flui no andamento da canção De cigarro em cigarro, cantada por Nora Ney, numa cena que por si vale a ida ao cinema.