02/06/2004 - 10:00
Harry Potter está com 13 anos.
Seus dois amigos do peito e da
Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts também. Os três, naturalmente, se queimam na ebulição dos hormônios característicos da idade, enfrentam as oscilações de humor, a necessidade de autoconhecimento e de se impor socialmente e até um começo muito tímido do descontrole da libido. No terceiro livro da festejada saga do bruxo, a escocesa J.K. Rowling, 39 anos, descreve o chamado rito de passagem com a mesma habilidade que a transformou na escritora infanto-juvenil mais bem-sucedida das últimas décadas, com uma fortuna hoje avaliada em cerca de US$ 445 milhões. Mas no filme Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban (Harry Potter and the prisioner of Azkaban, Estados Unidos, 2004) – que tem estréia mundial na sexta-feira 4 –, o diretor mexicano Alfonso Cuarón, 42 anos, entendeu que as mudanças da adolescência teriam de ser mais evidentes que a atmosfera mágica. Consequentemente minimizou o encanto da história, agora vestida de tons sombrios devido à proximidade cada vez maior de Potter com as forças do mal. No entanto, ainda assim Cuarón realizou uma boa diversão, mesmo porque com um enredo destes nas mãos é quase impossível cair no fracasso total.
Desta vez, Harry Potter (Daniel Radcliffe) tem o desafio de encarar seus medos mais profundos. Metaforicamente, eles estão resumidos nos monstruosos dementadores, os temidos guardas da prisão de Azkaban para onde são mandados os bruxos fora-da-lei. Cabe a Remo Lupin (David Thewlis), o novo professor de defesa contra as artes das trevas, a ensinar o adolescente a se proteger dos dementadores, seres sem piedade, sugadores de almas e das boas emoções e que foram convocados para fazer a segurança dos alunos de Hogwarts contra o único bruxo que, depois de 12 anos, conseguiu fugir da amaldiçoada prisão. Ele é Sirius Black – Gary Oldman em boa forma –, acusado de ajudar o maligno Lorde Voldemort a matar os pais de Potter. A notícia da fuga de Black logo abala o mundo dos bruxos. Dizem que o garoto é seu principal alvo. Para complicar, escondido pela invisibilidade de uma capa numa sala do pub Três Vassouras, Potter descobre que, além de tudo, Black é seu padrinho. Como nas melhores novelas mexicanas – provável herança inconsciente do diretor –, ele sai em disparada, cai na neve e chora, chora, para depois ter raiva, raiva.
Defeito – Cenas como esta comprometem o
filme de Cuarón. Um defeito incorrigível, contudo,
é o pressuposto de que todos os espectadores já leram os livros ou assistiram aos filmes. Tudo bem que fãs sabem tudo. Mas J.K. Rowling até hoje mantém o cuidado de pelo menos descrever, ou lembrar, em poucas linhas, fatos, expressões e peculiaridades do universo paralelo ao dos trouxas, denominação com a qual os bruxos adjetivam os comuns mortais. Mesmo levando em conta que
Steve Kloves tem sido o roteirista das adaptações
para o cinema desde Harry Potter e a pedra filosofal, Cuarón perdeu a mão na sua síntese da história. “Jo Rowling me disse para eu não ser literal, apenas fiel ao espírito do livro”, justificou à revista Premiere o diretor de E sua mãe também (2001).
Por não ser literal, ele concentrou o foco em
Potter, em Ron Weasley (Rupert Grint) – este com os exageros agora incabíveis num adolescente – e em Hermione Granger (Emma Watson), diminuindo bastante a participação dos bruxos adultos na trama. Assim, deu aos espectadores apenas um aperitivo, e não a ceia completa, que é ver a fabulosa Maggie Smith no papel da professora Minerva McGonagall. Também se desviou da máxima de Rowling, que, ao longo dos cinco livros já lançados, sempre introduziu elementos externos àquele universo, porém devidamente disfarçados e adaptados. Cuarón quis modernizar as roupas e os uniformes dos adolescentes e contaminou o visual. Até a camisa de Potter no quadribol – o esporte mais famoso do mundo dos bruxos – ganhou o número 7, o mesmo do jogador David Beckham na seleção inglesa.
Em compensação, ele e a equipe souberam muito bem resolver personagens novos como Lupin, Black e a histérica de pavor, Sibila Trelawney – Emma Thompson irreconhecível –, a professora de adivinhação. Igual atenção tiveram os dementadores, um lobisomem bem atípico e Bicuço, nome do enorme hipogrifo que é metade águia, metade cavalo e com o qual o gigante Rúbeo Hagrid (Robbie Coltrane) ilustra sua aula de trato das criaturas mágicas. Milimetricamente testado durante quase um ano, antes de ganhar forma final nos computadores, o hipogrifo protagoniza uma das sequências mais belas do filme ao voar com Potter sobre paisagens de folhinha. Da metade para o final, a fita cresce em emoção, com o caminhar para a resolução do mistério que mal foi anunciado no início. São momentos em que os fãs finalmente reconhecem a pureza do estilo Harry Potter. Para eles, também acaba de chegar ao mercado o game de computador Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban (Eletronic Arts, R$ 79,90), no qual agora é possível viver as aventuras mágicas com Ron e Hermione, o que não acontecia antes. Os jogadores ainda poderão voar num hipogrifo, desvendar alguns segredos de Hogwarts e enfrentar os dementadores com feitiços diferentes.