O sociólogo catalão Manuel Castells
é uma sumidade nas análises de novas tecnologias e seu impacto sobre as sociedades. Mas uma particularidade o faz mais interessante: ele analisa a tecnologia sob o foco das questões sociais e políticas. Ativista na juventude contra a ditadura do general Francisco Franco (1939-1975), ele se exilou na França, onde acabou conhecendo em 1963, na Universidade de Sorbonne, o então sociólogo brasileiro Fernando Henrique Cardoso, que se tornou seu amigo desde então. Nesta
entrevista a ISTOÉ ele diz que os partidos políticos estão à margem das novas formas de comunicação e expressão. Cita, como exemplo, o caso da recente
eleição de Madri, depois dos atentados terroristas, em que os socialistas
ganharam surpreendentemente, graças às redes de comunicação dos jovens espanhóis, que denunciaram a manipulação da informação pelo governo conservador. Na política brasileira, que Castells acompanha de perto, ele critica
tanto Lula como FHC por não priorizarem o ensino básico. Sobre a guerra do Iraque, o sociólogo diz que “os EUA criaram sua própria fábula de que apenas com alta tecnologia se pode conquistar o mundo”.

ISTOÉ – O sr. tem falado do papel cada vez mais fundamental das chamadas “comunidades de informação” nas sociedades modernas. O exemplo mais recente dessa influência foi a virada nas eleições da Espanha – a inesperada vitória dos socialistas sobre os conservadores – em que o papel desses
grupos foi fundamental. Como isso ocorreu?
Manuel Castells –
Este é um novo e importante fenômeno. As sociedades em geral desconfiam cada vez mais da política formal e dos políticos. Em todo o mundo, há uma forte crise de legitimidade da política. De vez em quando, existem explosões de entusiasmo, como aconteceu aqui no Brasil com o Lula ou na Argentina com o Kirchner. Mas geralmente, depois de alguns meses de governo, volta o descrédito. Junta-se isso ao fato de que hoje a política está no espaço da comunicação, surgem outras formas de desenvolver redes autônomas de comunicação, como a internet e também os sistemas de mensagens, com os messengers (mensagens instantâneas) e as mensagens dos celulares. Quando as pessoas não encontram a informação buscada, ou a recusam, saem à procura de novas informações entre as próprias comunidades. Em certos momentos, se mobilizam autonomamente utilizando esses canais. Isso pôde ser visto recentemente na Espanha, em dois momentos: entre o atentado de Madri, no dia 11 de março, e as eleições três dias depois, no 14 de março. Muito sinteticamente, foi o seguinte: no dia 11, ocorreu o bárbaro atentado da al-Qaeda. Desde os primeiros momentos, a polícia indicou que o crime fora obra de um grupo terrorista islâmico. Mas o governo de José María Aznar, aliado íntimo de George W. Bush, estava às vésperas das eleições gerais. Aznar decidiu, então, que essa revelação seria muito prejudicial a ele, pelo fato de ter entrado na guerra sem o apoio da população. Então, resolveu ocultar a verdade, mentir. E a mentira veio diretamente de Aznar, que ligou para os diretores dos principais meios de comunicação da Espanha e lhes deu sua palavra que ele teria provas de que o grupo terrorista basco ETA era o autor do atentado. O jornal El País chegou a mudar sua manchete. Como a mídia iria desconfiar que o chefe do governo espanhol estava mentindo? Aznar havia calculado que, depois dos atentados, haveria apenas um dia, a sexta-feira, para circular informações, uma vez que no sábado a propaganda eleitoral estava proibida e domingo já era a votação. Mas, já na manhã de sábado, grupos de jovens, espontaneamente, se conectaram pela internet e começaram a difundir mensagens eletrônicas por seus celulares sobre o atentado. Esse tráfego na internet e nas mensagens de celulares de jovens com menos de 30 anos aumentou em 30% no sábado e em 40% no domingo. E, com essa rede, começou ser criada uma consciência pública, que dava novas informações, rechaçava a versão governamental e ainda convocava manifestações. Havia nessas eleições dois milhões de novos eleitores. Portanto, jovens que geralmente votam em partidos alternativos. Mas, dessa vez, foram eles que disseram ao governo: “mentirosos, mentirosos! Nós o tiraremos.” O principal foi a negação à mentira e à manipulação dos meios de comunicação. Esse movimento permitiu que uma eleição que estava empatada virasse totalmente para uma vitória inesperada dos socialistas.

ISTOÉ – E isso apontaria para uma nova alternativa para a esquerda?
Castells –
Eu creio que a sociedade se mobiliza cada vez mais autonomamente, à margem dos partidos políticos. São formas espontâneas. Embora eu não acredite que isso vá substituir os partidos políticos, a forma tradicional da política não funciona mais. O espaço público é o espaço da comunicação. Toda a política passa pelo espaço público da comunicação. A influência política organizada hoje passa por esse movimento autônomo de expressão. A legitimidade política tradicional é muito frágil. Se as pessoas votam em um líder, na esperança de que ele traga mudanças, existe uma relação muito direta da população com esse líder. Quando elegeram o Lula, por um lado havia uma grande esperança no Brasil e no mundo. E nós, progressistas, tínhamos uma obrigação quase moral de apoiá-lo, porque era a esperança deste povo, independentemente de suas alianças políticas. Mas, precisamente porque há enormes expectativas, e esta é a realidade da política atual, as pessoas se dão conta de que suas promessas não podem ser cumpridas.

ISTOÉ – E, por falar em Lula, qual é a sua opinião sobre seu governo?
Castells –
Acredito que, na esfera econômica, Lula esteja fazendo um bom governo, com a continuidade do que já se fazia no governo FHC. Do ponto de vista macroeconômico, está sendo até mais rigoroso que o governo anterior. Mas exageram em manter uma taxa de 16% de juros. Segue a política do Fundo Monetário Internacional e, em consequência, não sobram muitos recursos para desenvolver uma política social. Para fazer reformas é preciso de dinheiro. Então, os problemas sociais persistem. Mas há determinações que são surpreendentes, como, por exemplo, o relançamento do programa nuclear da Marinha brasileira. Quem no Brasil precisa de um submarino nuclear? E mais, se o Brasil produz um submarino nuclear, os vizinhos como Chile, Argentina também vão querer fazer o mesmo. Não tem nada a ver uma corrida armamentista na América Latina. Além disso, representa um gasto de enormes proporções. Outras políticas de Lula cometem os mesmos erros de FHC. A educação, por exemplo, deveria priorizar, antes de tudo, a melhoria das condições do professor. Tudo bem escolarizar o nível máximo da educação, como fez Fernando Henrique. Mas, se não houver uma boa formação de professores no nível primário, o País não estará pensando
na formação dos alunos. E, obviamente, para melhorar a formação dos professores, é preciso dar-lhes um melhor salário. Na política de educação, acredito que o governo continua dando prioridade aos aspectos quantitativos, em vez de dar prioridade aos aspectos qualitativos.

ISTOÉ – Como o sr. analisa a forma como os EUA estão enfrentando o terrorismo?
Castells –
Totalmente equivocada. Tanto os atentados de 11 de setembro como de 11 de março, na Espanha, são extremamente simples. O de Madri foi um pouco mais sofisticado por ter sido coordenado por celulares. A idéia de utilizar um avião como um míssil estava nos filmes de ficção e é simples. Mas o trabalho contra o terrorismo, esse, sim, é fundamental e complexo. Uma guerra que não pode ser substituída. E nesse combate contra o terrorismo, algumas considerações devem ser feitas. Além da parte política e social e da cooperação internacional, o fundamental é a informação através da infiltração. Assim faz Israel com seu serviço secreto, o Mossad. Israel tem agentes infiltrados no Hamas, do Hezbolá. É com inteligência que se combate o terrorismo. Prender um punhado de terroristas não adianta, porque imediatamente eles são substituídos. Sou totalmente crítico em relação à ocupação de Israel nos territórios palestinos. O Hamas foi criado por Israel para combater Yasser Arafat, assim como Saddam Hussein é cria dos americanos, aliás do próprio Donald Rumsfeld. E o pior pode ainda vir com atentados com armas biológicas, que são muito mais fáceis e produzem a desgraça em larga escala.