02/06/2004 - 10:00
A trilha que corta a mata no município de Maricá, a 60 quilômetros do Rio de Janeiro, leva o caminhante a um local onde, por entre as árvores, surge a visão inesperada: um imóvel em estilo colonial, dotado de varandas arejadas e geminado a uma bela capela. A construção, sede da Fazenda Bananal, foi erguida em 1802 pela família do alferes Antonio Joaquim de Azevedo Soares e hoje pertence ao arquiteto Oscar Niemeyer. “Aprendi que não existe arquitetura antiga ou moderna, mas arquitetura boa ou má. Esse prédio é perfeito para a época em que foi construído, tem amplas alcovas, belas varandas e paredes grossas”, elogia Niemeyer. À parte a qualidade estética, a casa tem agora reconhecido o seu valor histórico. É um dos 450 imóveis listados no inventário que a Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro acaba de concluir para resgatar a importância dos caminhos usados há três séculos para comercializar o ouro, o café, o açúcar e o sal. São igrejas, fazendas e casas de estilo colonial e neoclássico que contam uma parte importante da história do Brasil. “O levantamento segue os caminhos pelos quais a riqueza brasileira transitou”, resume o secretário Arnaldo Niskier. As rotas, usadas por escravos e comerciantes, estão no Vale do Paraíba, na Baixada Fluminense, no Norte Fluminense e em Paraty.
O inventário, feito pelos técnicos do Instituto Estadual de Patrimônio Cultural (Inepac), levou seis meses para ficar pronto. O historiador Marcus Monteiro, presidente do instituto, buscou reconstituir os roteiros das principais atividades econômicas de então. Graças ao trânsito de escravos e o comércio de ouro, café, açúcar e sal entre Rio, Minas Gerais, São Paulo e Portugal, várias cidades foram fundadas. Muitos desses conjuntos continuaram preservados, como no Vale do Paraíba e no Norte Fluminense, mas há cidades que viveram tempos de riqueza e agitação e simplesmente desapareceram. “É o que eu chamo de cidades invisíveis”, classifica Monteiro. Um dos casos mais curiosos é o de Porto da Estrela, onde hoje é o município de Magé, pólo do comércio do ouro e do café. O povoado experimentou a opulência no começo do século XVIII e recebeu visitantes ilustres como dom João VI, dom Pedro I e pintores estrangeiros do naipe de Rugendas e Thomas Ender. Na década de 1860, começou a decadência. Atualmente, Magé está em sintonia com o restante da Baixada Fluminense, a paupérrima periferia da região metropolitana do Rio. Em muitos pontos, no entanto, ainda é possível encontrar jóias arquitetônicas que resistiram à depredação, como as capelas de Nossa Senhora da Conceição – construída em 1731 – e a igreja de São Francisco do Croará, cuja fachada tem influência jesuítica. A peça mais impressionante é a capela da igreja de Nossa Senhora do Pilar, em Duque de Caxias, com o altar todo folheado a ouro. Todas as valiosas imagens que guardava foram roubadas.
Como nem o governo estadual nem os proprietários dispõem de recursos para recuperar os imóveis históricos, o secretário de Cultura prepara um projeto de lei para desapropriar vários deles. As casas iriam a leilão e os compradores se comprometeriam a restaurá-las. “Acreditamos que em três meses o projeto estará na Assembléia Legislativa”, estima Niskier. O ponto de partida é justamente o inventário dos bens, que acaba de ficar pronto. “Tentamos compensar 100 anos de atraso”, diz Monteiro. O inventário realizado pelo Inepac teve a parceria da Unesco e do Sebrae, que planeja explorar economicamente as informações levantadas. Uma das idéias é criar um roteiro turístico que percorra os caminhos históricos.