02/06/2004 - 10:00
Tão longe, tão perto. No mapa, o dragão chinês está do outro lado do mundo. Mas trata-se de um velho amigo nosso. Costumes e produtos chineses aportaram no Brasil, na época de seu descobrimento, e sobreviveram 300 anos: desde meados do século XVI até o XIX, quando a Inglaterra e a França atropelaram a influência oriental. Os portugueses descobriram o Brasil e chegaram à China na mesma época. Marinheiros, militares, religiosos e altos funcionários da Coroa que chegavam ao Brasil já tinham prestado serviços em Macau e Cantão, na China. Assim, nos transformamos em ávidos consumidores de mercadorias chinesas, como porcelana, leques, móveis, seda, sapatos, fogos de artifício, brinquedos, chá e arroz. O contrabando também não é nenhuma novidade. Navios lotados de mercadorias ilegais e tentativas de suborno dos comandantes de navios junto à alfândega brasileira já eram comuns.
O Brasil-colônia importava mais do que exportava para a China – situação, hoje inversa, que o presidente Lula sonha em ampliar, com a visita de seis dias ao país, acompanhado de 500 empresários. O Brasil colonial exportava para a China tabaco (usado como rapé), açúcar e aguardente. Os gostos e costumes chineses também fizeram sucesso aqui, como o adotado por homens da elite de deixar as unhas crescerem, imitando os mandarins. Assim, mostravam que não faziam trabalhos manuais, sinal de superioridade social. O hábito de “dar um cheirinho”, como um beijo, nasceu na China. Senhores-de-engenho, sentados em palanquins chineses (uma espécie de cadeira), eram carregados nos ombros por seus escravos. A perigosa mania de lançar fogos de artifício, que já era um vício no século XVII, veio da China.
Todo esse leque de trocas é detalhado no livro A China no Brasil: influências, marcas, ecos e sobrevivências chinesas na sociedade e na arte brasileiras, do historiador e crítico de arte José Roberto Teixeira Leite (Editora da Unicamp, 1999). O pintor francês Édouard Manet notou semelhanças entre as mulheres brasileiras e chinesas, ao passar pelo Brasil, em 1849: “Quanto às brasileiras, são geralmente lindas; têm olhos e cabelos magnificamente negros. Estão todas penteadas à moda chinesa e andam nas ruas sem chapéu…” O abolicionista Joaquim Nabuco chegou a comparar: “…ambos esses países são dois dos maiores impérios do mundo; ambos têm à sua frente um governo patriarcal; em ambos o imperador é, como se diz na linguagem oficial da China, o pai e a mãe do povo; ambos têm os seus mandarins, a sua organização especial.”
As marcas dessa influência ainda são visíveis. O mirante Vista Chinesa, no
Rio de Janeiro, foi construído para
lembrar os chineses que chegaram em 1814 para introduzir as plantações de chá. Desde os anos 90, quando o Brasil foi inundado por roupas, tecidos, produtos eletrônicos e restaurantes chineses com seus famosos frango xadrez e rolinhos-primavera, os brasileiros mergulham nesse grande salto em direção à China. As vitrines exibem estampas com temas orientais e adereços como as chamadas golas Mao e botões ao estilo chinês (rolotê). Professor de história da moda, João Braga explica que a influência chinesa surge volta e meia como tendência. Há um comportamento geral de buscar o espiritualismo, o que se reflete inclusive na moda. “E todas as religiões vêm do Oriente: o budismo, o judaísmo, o hinduismo, o cristianismo e o islamismo”, diz Braga.
As editoras brasileiras também estão antenadas. A professora chinesa Yuan Aiping, no Rio desde 1997, lançou o livro Chinês para brasileiros. Mas esta é uma longa jornada, como diria Mao. O padre jesuíta Matteo Ricci (1552-1610) chegou em Macau em 1582, mas só começou a falar fluentemente e escrever em chinês depois de estudar diariamente durante 12 anos.
A Editora Futura tirou do forno o livro China, a corrida para o mercado, de Jonathan Story, professor de economia política internacional no Instituto Europeu de Administração de Empresas, na França. A Editora Barcarolla
lança em duas semanas o China para hipocondríacos, do historiador e geógrafo espanhol José Overejo, hipocondríaco, é claro: uma radiografia do país, com ricas informações históricas, a partir de sua experiência de quatro anos por lá, desde 1991. “…Não vemos casais de mãos dadas, muito menos se beijando. Na China, o beijo era considerado parte do ato sexual, algo que não podia se fazer em público, o que levou muitos viajantes que chegaram ao país nos séculos passados a achar que o beijo era desconhecido dos habitantes, como também os chineses a crer que as mulheres que vinham com os estrangeiros eram todas prostitutas…” Talvez isso explique a importação pelo Brasil da mania de “dar um cheiro”. Só que, aqui, a proibição do beijo não colou.
Para os místicos, a grande jornada de Lula ocorre em momento auspicioso,
30 anos depois da visita de João Figueiredo, primeiro presidente brasileiro
a ir para a China: 2004 é o ano do Macaco, propício para novos negócios, segundo o horóscopo chinês. O número deste signo é 13 (ironicamente, o do PT). O dia do mês deste signo é 27 (o presidente deixou Pequim na quinta-feira 27). E o metal deste signo é… o urânio!