O governo esperou com paciência chinesa por boas notícias, e elas finalmente vieram. A última semana, marcada pelo anúncio de negócios bilionários fechados em Pequim e Xangai, se encerrou coroada pelo surpreendente desempenho do PIB no primeiro trimestre. O crescimento de 2,7%, em comparação com o mesmo período de 2003, mostra que a retomada da atividade saiu dos relatórios de projeções econômicas para se tornar realidade. Mesmo comparando-se com o último trimestre de 2003, quando a economia ensaiou uma tímida recuperação, a taxa superou boa parte das previsões do mercado, alcançando 1,6%. Um exercício matemático dá uma idéia do quanto são surpreendentes os 2,7% cravados pelo IBGE: se o índice se repetisse até o final do ano (ninguém aposta nisso), representaria um crescimento de 6,65%. A boa nova do trimestre, que o presidente Lula ficou sabendo ao ler, em Xangai, um bilhetinho enviado pelo ministro do Planejamento, Guido Mantega, ajudou a fortalecer o discurso do governo de que a política econômica está certa. De quebra, restaurou o clima de otimismo e produziu uma rara concordância entre os dois pesos pesados do Ministério. “O governo tinha confiança no que estava fazendo e os resultados estão aí. O crescimento do PIB reflete exatamente isso”, declarou o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, em Brasília. “Fizemos o ajuste para equilibrar a economia. Este ano é o primeiro de uma nova etapa de crescimento”, endossou o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, em Xangai, na quinta-feira 27.

O entusiasmo não ficou restrito ao governo. Animado
pela boa notícia do PIB e pela redução dos preços internacionais do petróleo, o mercado reagiu à altura. No dia do anúncio, a Bolsa de Valores de São Paulo subiu 3,5%, revertendo todo o prejuízo acumulado em maio. O dólar caiu 1,32%, e o risco Brasil, por sua vez, cedeu em 2%. Metade do desempenho do trimestre deve ser creditado às exportações brasileiras, que vêm batendo recordes sucessivos desde o ano passado. De janeiro a março deste ano, as vendas do Brasil lá fora cresceram 5,6% em relação ao já aquecidíssimo último trimestre de 2003. Neste ano, a expectativa é que elas ultrapassem os US$ 83 bilhões, uma marca histórica. “Isso se deve à política externa do governo Lula, que é um sucesso”, enfatiza o líder-economista do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). O senador sempre defendeu a tese de que o empenho nas exportações seria a saída para o nó deixado por Fernando Henrique Cardoso – uma dívida pública gigantesca que exige um superávit extenuante nas contas públicas para não explodir, consumindo a disponibilidade para investimentos.

O périplo internacional de Lula, iniciado pela China e encerrado no México no fim de semana, foi o movimento vitorioso mais recente no xadrez internacional do
Planalto. Na China, os negócios acertados devem engordar as reservas brasileiras em pelo menos mais US$ 5 bilhões nos próximos dois anos. Três itens – minério de ferro, aços planos e grãos como a soja – concentram o interesse dos chineses. A Vale do Rio Doce tratou de ampliar seus contratos em mais de US$ 2 bilhões. Parte desse dinheiro será usado para construir, no Brasil, o maior navio do planeta, capaz de transportar 540 mil toneladas de minério de ferro. O cargueiro-jumbo será usado exclusivamente para transportar o produto para a China. No agronegócio, os chineses pretendem transformar o Brasil em seu grande fornecedor de alimentos, investindo até em fazendas para saciar o apetite de seus 1,3 bilhão de habitantes. “Depois desses acordos, garantimos uma parceria fundamental para o desenvolvimento brasileiro”, comemora o chanceler Celso Amorim.

Os dividendos da viagem não foram
só econômicos. Em troca da defesa
da política de Pequim contra a independência de Taiwan e do
Tibete, Lula trouxe na bagagem o fundamental apoio do gigante asiático à pretensão brasileira de ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. O Brasil conseguiu também acordos de cooperação científica e tecnológica, sem falar no verniz extra aplicado à imagem de Lula, recentemente arranhada pelo episódio do jornalista americano Larry Rohter. No México, onde participou da terceira reunião da cúpula que reúne países da América Latina, do Caribe e da União Européia, o presidente recebeu outra boa notícia: o sucesso da reunião de ministros do Mercosul e da União Européia sobre a futura área de livre comércio entre as duas regiões. Celso Amorim disse a ISTOÉ que quase todos os entraves existentes na negociação foram resolvidos. “Estamos com 90% do acordo pronto”, garantiu. Previsto para entrar em funcionamento até outubro, o novo bloco representará no mínimo mais US$ 5 bilhões em exportações brasileiras.

Infra-estrutura – Outra face importante da viagem de Lula à China é a tentativa do governo de atacar um dos mais graves gargalos que emperram o crescimento: a falta de infra-estrutura. Além de comprar minério de ferro e soja, os chineses estão dispostos a investir até US$ 5 bilhões na construção de ferrovias, modernização de portos e recuperação de estradas no Brasil. Reduzindo o custo Brasil, os chineses esperam pagar preços mais baixos pelos produtos brasileiros, recuperando a dinheirama investida. O governo está fazendo a lição de casa em outro setor vital: os aeroportos. Para atender ao crescente vai-e-vem de aviões cargueiros lotados com produtos, a Infraero aplicará US$ 18 milhões na modernização dos 32 terminais de carga dos principais aeroportos do País. Em março, as exportações via aérea cresceram 43% e as importações, 29,1%. Os terminais estão cheios.

Os números do IBGE também revelam um outro entrave à expansão econômica: ao contrário do que está acontecendo no interior, onde a agroindústria vem garantindo uma oferta generosa de postos de trabalho, o consumo dos brasileiros está minguando nas grandes cidades, em decorrência da queda da renda e das taxas recordes de desemprego. Se o brasileiro não tiver dinheiro na mão para comprar, o espetáculo do crescimento dificilmente sairá do ensaio. “Nas regiões metropolitanas, também há crescimento do emprego, mas em número menor que no interior. Isso preocupa porque é nessas regiões que o desemprego tem consequsências mais graves”, reconhece o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini. O achatamento salarial e o desemprego, somados ao novo breque na queda das taxas de juro, impediram que o bom resultado do PIB no primeiro trimestre se transformasse em projeções mais otimistas. A maioria dos analistas concorda que o crescimento de 3,5% estimado pelo governo será sem dúvida alcançado. Mas, por enquanto, ninguém aposta em uma taxa mais alta. Avalia-se que, por causa do cenário externo adverso – alta do petróleo e expectativa de aumento dos juros americanos –, os nossos juros só voltarão a cair às vésperas das eleições.

Desobediência – As dificuldades não se restringem à agenda econômica.
No campo político, o governo precisa rearrumar a sua base de apoio no
Congresso Nacional se não quiser sofrer uma dura derrota na crucial votação
do salário mínimo de R$ 260. PSDB e PFL já fecharam questão contra e, para complicar a vida e as contas federais, querem emplacar um mínimo de R$ 275.
No PT, o mínimo também é problema. Vinte dos 90 deputados e dois senadores
do partido ameaçam desobedecer à ordem do governo e votar contra. O aliado
PMDB também joga lenha na fogueira: chegou a sugerir um mínimo de US$ 100 (mais de R$ 300) e resolveu deixar o governo em suspense, assumindo o valioso papel de fiel da balança, o que irritou Lula. Diante da confusão, o ministro da Articulação Política, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), se apressou em arregaçar as mangas. Na última semana, fez uma pereginação pelo Congresso. Conversou com os aliados e tentou até um meio de campo com a oposição. Aldo tem um problema a mais. O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), não engole o fato de o ministro ter trabalhado contra a sua reeleição para o posto. O petista não diz, mas é quase certo que não vai se empenhar como outrora para aprovar uma proposta do Palácio. Se o governo for derrotado na votação do mínimo, a fatura será depositada na conta do comunista Aldo. A lista de tarefas é grande e algumas delas vão demandar anos. E novas doses de paciência chinesa.